A
previsão deveu-se mais a um exercício lógico, pelo fato de ainda não termos
contemplado tal destaque ao Judiciário, do que a uma análise cuidadosa dos
fatos políticos observados, principalmente, a partir do surgimento — no cenário
internacional — dos países ditos emergentes e de uma nova ordem
político-econômica.
Não
se pode, nos dias de hoje, deixar de ver o mundo como um todo. Mas, o chamado
mundo globalizado não é somente o ocidental, senão, e também, aquele produzido
na rede mundial de computadores. O mundo globalizado é mais complexo. Nem mesmo
os iluministas poderiam sonhar com algo parecido. Digamos que o novo mundo
globalizado é pré-iluminista, é do tempo das descobertas além-mar, é do tempo
do comércio mundial, que a tudo dominava e, paradoxalmente, ainda domina.
O
Consenso de Washington, expressão cunhada no final da década dos anos 1980 e
início dos 1990 — que definiu a nova estratégia econômica em contraponto ao
Estado Social — traçou como diretrizes a privatização de empresas estatais, a
abertura dos países para os investimentos estrangeiros, a diminuição de gastos
estatais, a desregulamentação dos direitos sociais, a segurança jurídica e
ratificou o direito de propriedade.
Esse
consenso fez muitos estragos mundo afora, mas, não resistiu aos acontecimentos
de setembro de 2008. Empresas privadas socorreram-se do Estado, que, antes,
defendiam ser mínimo e que passou a ser, num passe de mágica, o “máximo”, para
usar uma linguagem coloquial. Hoje, a nova ordem parece ser o Consenso de
Pequim, que se define por uma superconcentração no Poder Executivo como
expressão de um Estado forte e regulamentador. O que não mudou, entretanto, foi
a toada da minimização dos direitos trabalhistas e sociais.
Tendo
como inspiração o novo Estado Liberal surgido, principalmente, a partir dos
anos 90 do século passado, segundo o qual o Judiciário deve ser previsível e
seguro aos investimentos externos e respeitar o sagrado direito de propriedade,
o Banco Mundial elaborou o documento técnico 319/96, dirigido ao Judiciário
latino-americano.
Para
o organismo, o Judiciário ideal deve ostentar previsibilidade nas decisões,
pela verticalização da jurisprudência, prevalecendo as decisões de cúpula. É
também o que está sob controle externo e que adota meios alternativos de
resolução de conflitos. Essa é a receita. A pergunta que fica é se interessa ao
cidadão um Judiciário fragilizado, controlado em sua função judicial e
elitizado.
Como
visto, terminamos o século 20 com a consolidação do Executivo e as proposições
de frear o Judiciário. O que, então, nos levou a acreditar que o século 21
seria o do Judiciário? Exatamente, além do inconteste fato da judicialização da
política, o cenário de enfraquecimento do Executivo por ele mesmo, pelo
desgaste natural do tempo, pela perda da capacidade de dar respostas efetivas
aos problemas sociais por parte da classe política, enredada nas teias das
conjunções político-partidárias. Esse cenário prenunciava um vazio estatal e,
sendo o Judiciário o único poder criado para ser infenso a essas conjunções
políticas, logicamente, seria a próxima fonte legítima de poder.
Porém,
ao contrário do Consenso de Washington, que tinha na liberdade e
desregulamentação do mercado a sua linha mestra e, por isso, mantinha o
necessário controle do Judiciário para que a segurança jurídica dos contratos
fosse preservada, no Consenso de Pequim, o Estado forte e concentrador se
mostra na face do Poder Executivo, dando tratamento secundário aos outros dois
Poderes de Estado. Não só. Também porque a nova lógica é da concentração
econômica no estado-executivo, que, por fim, define toda a política social
nacional.
Trocando
em miúdos. No iluminismo clássico, “decisão de juiz se cumpre”; no
neoliberalismo “cumpre-se a decisão previsível” e, na nova ordem do Consenso de
Pequim, “cumpre-se, desde que haja disponibilidade de numerário”. Ou seja, na
nova ordem, não interessa mais ter um Judiciário controlado em suas decisões,
mas, um Judiciário controlado e enquadrado pelo orçamento. Cria-se uma Vara
Judicial se houver orçamento para tal, quesito que se sobrepõe à necessidade. O
Judiciário não é mais visto como Poder, apenas mais um serviço estatal, e, como
tal, sujeito às ingerências administrativas do Executivo, porque é ele quem
dita as regras de gestão do gasto estatal.
O
Legislativo no estado moderno está relegado a um segundo plano e o Judiciário
parece “não estar nos planos”. É isso que o cidadão quer? Será que a população
está suficientemente esclarecida dessa nova realidade? Penso que não. Aliás,
está hoje muito mais sensível às críticas generalizadas que partem da opinião
publicada. Definitivamente, esse estado de coisas não contribui para a
democracia. O Judiciário é o guardião da ordem constitucional. Definitivamente
o século 21 não será o Século do Judiciário.
*Paulo Luiz
Schmidt – vice-presidente da Anamatra
**Marcos Fagundes
Salomão – Presidente da AMATRA IV
(Tirado de: http://www.amatra4.org.br/publicacoes/imprensasub/277-o-papel-do-judiciario-no-consenso-de-pequim)