(Por: W.B.*)
Este texto foi elaborado na primeira
quinzena de abril/2020. Apesar de o Brasil parecer estar parado por
conta da grave crise causada pela pandemia do novo coronavírus
(covid-19), tudo vem acontecendo bastante rápido no governo federal.
Então é possível que muito do que aqui fica escrito perca sua atualidade
ou mesmo seja desmentido por fatos novos. Mas, ainda assim, continuará
importante pelo menos como registro: o que é bastante válido,
principalmente nesta época em que a história é desvalorizada, e os
acontecimentos costumam ser esquecidos na velocidade dum clique.
O presidente Jair Messias Bolsonaro tem
negligenciado os cuidados necessários para evitar o espalhamento do
vírus, que já atinge todo o planeta em nível catrastrófico. Ele tem
também usado o chamado gabinete do ódio para disseminar notícias falsas
sobre a doença, buscando convencer as pessoas de que não há perigo
grave. Esse gabinete é composto por pessoas pagas especificamente para
elaborar e replicar textos, imagens e vídeos manipulados
tecnologicamente, com conteúdo (mentiroso ou tendencioso) que favoreça
os objetivos do governo federal. A finalidade maior é manter o lucro dos
ricos à custa da saúde dos pobres, que são convencidos a voltar ao
trabalho em vez de exigir subsídios para se manter em confinamento. A
morte de pessoas idosas é até desejada pelo governo, que as considera
improdutivas. Não por acaso, a política previdenciária do ditador
Augusto Pinochet (1915-2006), que gerou altíssimo indíce de suicídios de
idosos no Chile, é enaltecida pelo ministro da Economia Paulo Guedes e
pelo próprio presidente.
Em apoio ao gabinete do ódio, há os militantes pró-Bolsonaro (apelidados de bolsominions), que, mesmo não sendo remunerados para isso, têm reproduzido notícias falsas dia e noite. Geralmente os bolsominions
são filhinhos de papai, ricos ou classe média alta, sem nada o que
fazer além de ficar pendurados em telefones-espertos ou
microcomputadores, bajulando o presidente ou atacando seus supostos
inimigos. Por que eu escrevo aqui "supostos"? Ora, porque Bolsonaro e o
gabinete do ódio inventam inimigos internos para manter os bolsominions
em eterno clima de
guerra e de apoio a uma fantasiosa imagem de "presidente guerreiro
destemido".
Essas figuras, pintadas como adversárias em alguns momentos, na verdade
são completamente submissas ao presidente: é o caso do vice Hamilton
Mourão, do chefe da Casa Civil Walter Braga Netto e dos ministros da
Justiça Sérgio Moro e da saúde Luiz Henrique Mandetta.
Vê-se
que Bolsonaro usa o gabinete do ódio para esculachar, pela internete,
pessoas que integram seu próprio governo e, assim, mantê-las com o moral
baixo e, consequentemente, submissas. Esse procedimento também serve
para movimentar a referida militância voluntária (não remunerada). Tal
militância é formada, em geral, por indivíduos dotados dum sentimento
rebelde fútil. Eles não têm a rebeldia salutar contra um sistema
socialmente injusto, visando a construção de um mundo harmônico,
libertário e igualitário. Não, a rebeldia dos bolsominions é uma
rebeldia narcisística, focada em dar vazão a ressentimentos, rancores,
mesquinharias contra tudo que não os agrada. E não agrada por capricho:
não agrada porque o bolsominion acha esquisito e pronto, sem
racionalidade. Assim vem o ódio às pessoas LGBTQIs, quilombolas,
indígenas, feministas e socialistas dos mais diversos matizes (que eles
tacham, estereotipadamente, de "comunistas", sem nem estudar o que é
isso).
Esses
rebeldezinhos são informalmente recrutados - via Facebook e WhatsApp -
para o combate a mais supostos "esquerdistas infiltrados" (que muitas
vezes são membros do próprio governo e integrantes da extrema direita).
Enquanto os bolsominions se mantêm ocupados com esse "combate"
vazio, se sentem valorosos e nem têm tempo de se voltar para suas
próprias frustrações. Não têm tempo para ver que, na verdade, o "mito"
Bolsonaro não dissolveu nenhum de seus ressentimentos. As insatisfações
pessoais (que permanecem!) são postas na conta dos opositores, dos
"comunistas" e dos supostos inimigos internos.
Boa
parte da esquerda cai na cilada de enxergar, nesses escrachos feitos
pelo gabinete do ódio contra membros do executivo federal, um sintoma de
que o governo estaria rachado. Ou de que que o Bolsonaro está isolado
dentro do governo e não manda mais nada. Essa esquerda não reflexiva
acaba acreditando, por exemplo, que o ministro Luiz Henrique
Mandetta não caiu no início de abril/2020, por causa da interferência
dos militares. Ora, os milicos estão completamente domesticados, pois as
forças armadas
receberam bastante recurso que Bolsonaro tirou da Saúde e da Educação.
Não há absolutamente nenhuma evidência
(ou mesmo indício) de que o o chefe da Casa Civil Braga Netto esteja
mandando mais que o presidente da república, como afirmaram alguns
militantes da esquerda parlamentar. Esta, cada vez mais, tem se mostrado
uma esquerda "pra lamentar", pois completamente doutrinada pelos
partidos políticos institucionais, dogmática e tendente a cultuar
líderes, sem raciocinar por si mesma.
Bolsonaro não está baratinado: esse movimento de vai e vem, esse
eterno morde e assopra com seus aliados é um jogo de mídia que
mobiliza o público dele e é a única coisa que ele sabe fazer. Ele
não quer governar (e nem sabe), quer é ir dinamitando a república
para que passemos a viver uma realidade dominada por milícias e
igrejolas caça-níqueis. Sem nenhum tipo de serviço público.
Não está no horizonte um golpe militar, mas sim a destruição de todas as concessões sociais e conquistas civilizatórias, científicas etc. É o reino do egoísmo em último grau, com clãs privados se defendendo com armas. É a violência capitalista completamente descentralizada, um tipo de opressão muito diferente da ditadura militar, mas tão ou mais nefasta do que ela.
Não está no horizonte um golpe militar, mas sim a destruição de todas as concessões sociais e conquistas civilizatórias, científicas etc. É o reino do egoísmo em último grau, com clãs privados se defendendo com armas. É a violência capitalista completamente descentralizada, um tipo de opressão muito diferente da ditadura militar, mas tão ou mais nefasta do que ela.
Agora, por que a ditadura
empresarial-militar brasileira (1964-1985) continua sendo posta como
referência positiva pelo governo? Porque Bolsonaro quer dizer que aquele
regime despótico foi necessário para proteger o país do "comunismo" que
o ameaçava. Assim ele mantém viva a crença na permanente ameaça
marxista e faz com que as pessoas aceitem qualquer absurdo que ele faça,
pois todos deveriam ficar eternamente unidos contra o inimigo maior (o
tal "comunismo"). Afirmando a existência dessa ameaça do passado (que
continuaria no presente), Bolsonaro mina qualquer tipo de empatia com as
pessoas que sofreram sob a ditadura militar, e que são inimigas
ideológicas dele justamente por defenderem igualdade social. E igualdade
social é o que ele não quer nesse tipo de sociedade sem normas,
selvagem, hipercapitalista, que ele tenta fazer surgir das cinzas da
limitada democracia brasileira atual.
Fica claro que é isso que ele quer
quando vemos suas ações contra o uso obrigatório de cadeirinhas para
proteger crianças nos carros particulares, ou quando ele tenta tirar
radares de medição de velocidade em autoestradas. Por mais que não saiba
formular isso explicitamente como discurso, ele deseja o reino absoluto
da "liberdade" burguesa e o fim completo de qualquer função social do
Estado. Só não se pode dizer que ele almeja a extinção do Estado, pois
na verdade este permaneceria como aparato puramente repressivo,
auxiliando as milícias a controlar o povo, que seria dominado
ideologicamente pela igrejas evangélicas.
Para o mercado financeiro, que mantém
Bolsonaro, tanto faz se ele promove o neoliberalismo econômico no estilo
de Fernando Collor de Mello, FHC ou João Amoedo; ou se ele vai para o
hipercapitalismo anômico do pseudo-filósofo Olavo de Carvalho. Pois o
lucro dos bancos continuaria em ambos os casos.
Para que Jair Messias Bolsonaro seja
destronado do céu em que se encontra e afunde nas profundezas onde é seu
lugar, cabe que façamos nosso trabalho de conscientização mútua, sem
sectarismos. É preciso nos escutarmos e pensarmos sobre o que é dito.
Lembrando também que, apesar de ser importante vermos o que se passa nas
esferas da política institucional, o verdadeiro caminho da mudança
social se dá construído coletivamente nos locais de trabalho e moradia. A
luta deve ser comunitária, estudantil, sindical, criando nossas formas
de produção autônoma e modos livres de viver, desde já. E devemos sempre
denunciar e exigir que o patronato devolva o que nos tira pela
exploração de nossa força de trabalho.
A luta é longa, mas, por isso mesmo, tem
que ser feita desde já. Não temos nada a perder, a não ser as correntes
que nos prendem. E nos insurgirmos é sempre melhor que sofrer em
silêncio, independente de os frutos virem agora ou num futuro muitíssimo
longínquo.
Iniciar uma luta já é, em si, uma vitória.
FONTE:
Canal do filósofo, pesquisador e professor universitário aposentado Paulo Ghiraldelli (UFRRJ) na plataforma de compartilhamento de vídeos Youtube.
Iniciar uma luta já é, em si, uma vitória.
FONTE:
Canal do filósofo, pesquisador e professor universitário aposentado Paulo Ghiraldelli (UFRRJ) na plataforma de compartilhamento de vídeos Youtube.
* W.B. é técnico de atividade judiciária do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e associado do CESTRAJU (Centro Socialista de Trabs. do Judiciário).