(por: OP* e GAMA**)
No opúsculo O que é Greve Geral? (1895),
Fernand Pelloutier tenta explicar a estratégia da greve geral que, na
época, aparece como alternativa às greves parciais. Fruto em alguma
medida de debates anteriores promovidos dentro dos congressos da
Internacional (1864-1876),
a reflexão tenta explicar simultaneamente os limites das greves
parciais, bem como as suas consequências para a luta de classes, a médio
e longo prazo. Assim, escrito sob forma de diálogo entre operários:
"– 1° operário – Condenas, então, as greves?
–
2° operário – As greves parciais, sim; ao menos aquela que não têm uma
importância suficiente para interessar jornais e deputados socialistas a
apoiá-las. Por sinal, aqui entre nós, sabeis que todas as greves,
todas, são funestas. Aquelas que fracassam… inútil dizer por que: a
primeira é que, salvo o caso muito raro em que a necessidade de entregar
encomendas urgentes obriga o patrão a ceder imediatamente, o aumento de
salário obtido nunca cobrirá os sacrifícios feitos por ela. (…) A
segunda razão é que, mesmo após uma greve feliz, os operários ficam tão
desgostosos do magro resultado obtido que, durante muito tempo, não se
deve mais contar com eles para apoiar o movimento revolucionário. Belo
resultado!"
Pelloutier
foi uma das figuras seminais do sindicalismo revolucionário e ferrenho
opositor da interferência direta dos partidos políticos nos sindicatos.
Além de entusiasta das Bolsas de Trabalho e iniciativas educacionais no
campo operário, em várias oportunidades, polemizou com os socialistas do
campo ideológico de Guesde e Lafargue sobre a insuficiência das greves
parciais. Ele acreditava na necessidade da constituição do “partido
operário”, uma forma de se referir ao conjunto da classe operária, com
programa próprio elaborado a partir das necessidades dos trabalhadores e
aplicado no ritmo estabelecido pelos congressos e plenárias.
Em conformidade com tal premissa, no Congresso da Federação dos
Sindicatos (1892), em Marselha, em companhia da Aristide Briand, fez
aprovar o seguinte texto:
"Entre
os meios legais inconscientemente postos à disposição dos
trabalhadores, existe um que hábil e politicamente interpretado, deve
assegurar a transformação econômica, fazendo triunfar as legitimas
aspirações do proletariado.
Esse meio é a suspensão universal e simultânea da força produtora em
todos os setores, ou seja, a greve universal que, mesmo limitada a um
período restrito, conduzirá infalivelmente o partido operário para o
triunfo das reivindicações formuladas no seu programa."
Em
Nantes, em setembro de 1894, a tese da greve geral é aprovada pela
maioria expressiva dos delegados. Os socialistas gesdistas abandonam o
salão do congresso depois da votação. Consumava-se assim a separação
entre duas estratégias: a da tática eleitoral/greves parciais e a da
tática da ação direta/greves gerais.
Pode-se afirmar que, entre 1892 e 1900,
variados fatores contribuem para que a tese da greve geral se
sobreponha à prática de greves parciais. Os resultados das greves
isoladas e meramente corporativas parecem ter auxiliado muito para a
efetivação dessa tendência geral. É possível ainda inferir-se dessa
dinâmica social que, na prática, dava-se o estabelecimento de uma
cultura política sindical claramente hostil à mediação dos problemas da
classe trabalhadora por elementos estranhos a ela própria.
O Congresso Corporativo de Toulouse (1897) iria ainda mais longe ao aprovar o seguinte texto:
"No
que respeita às greves parciais, a vossa Comissão declara, com
estatísticas na mão, que em geral são prejudiciais aos interesses e,
consequentemente, seria agradável ver desaparecer a frequência com que
as greves aparecem, embora não duvidemos que há muitos casos de greve
inevitável."
O Congresso de Paris (1900) diz algo semelhante:
"Não
julgamos dever encorajar as greves parciais que consideramos como
nefastas, mesmo quando se obtêm resultados apreciáveis, porque elas
nunca compensam os sacrifícios feitos e em seguida os resultados que
podem oferecer são impotentes para modificar a questão social."
A
greve geral, vista como “ginástica revolucionária” pelos sindicalistas
da ação direta, pressupunha então um acordo entre as profissões, dentro
dos ramos industriais, e a pactuação de um projeto para o partido
operário. Uma linha de conduta estratégica, contra as iniciativas
fragmentárias e fragmentadas, que não levasse à exaustão da própria
ferramenta da greve.
Os sindicalistas revolucionários entendiam ainda, dentro da lógica da
“tática eleitoral/greves parciais”, praticada pelos socialistas
guesdistas, que as greves parciais obedeciam aos calendários eleitorais
e, consequentemente, levavam o movimento sindical a ser parte do próprio
sistema que pretendia demolir. Ou seja, subordinado ao institucional do
Estado,
era cada vez menos ele próprio e mais o que se esperava de um movimento
dentro da ordem. E ainda, movido por uma lógica perversa, era cada vez
menos classista, para se afirmar e definir politicamente.
Outro aspecto importante da greve geral é que, em percebendo as
múltiplas funções das diversas categorias em um capitalismo avançado, a
complexidade da relação destas com os patrões e o Estado e, em última análise, a assimetria do poder de pressão dentro das próprias categorias, em função dos diferentes papéis
que estas desempenham nas malhas econômica e social, era fundamental o
pacto sindical. Era fundamental a unidade, ainda que sem a unicidade
sindical; era fundamental a construção de um projeto de “partido
operário” sem o qual as diferentes categorias em greves parciais
terminassem mergulhadas no mais profundo desânimo.
Assim, o que imaginavam os sindicalistas revolucionários é que, se não
há projeto revolucionário animando as iniciativas sindicais, estas
levariam invariavelmente a
práticas oportunistas, eleitorais, e incapazes de resolver os
fundamentais problemas da classe. Ao sabor das “oportunidades”, os
trabalhadores perderiam, de fato, a oportunidade de mudar as coisas na
sua forma e conteúdo.
Vale dizer ainda, e tal não se coloca em lugar subalterno na nossa análise, que, para a estratégia da greve geral,
contava muito a capilarização do sindicato na sua base, ou antes,
contava sobremaneira a perspectiva segundo a qual a separação entre base
e direção sindical era mesmo absurda. Unidos pela mesma condição,
premidos pelas mesmas necessidades e movidos pelo mesmo propósito,
era possível pensar um projeto radical, uma dimensão para muito além da
retórica de assembleia e dos planos artificialmente urdidos pelas
seitas partidárias.
Ainda nessa perspectiva, a experiência sindicalista revolucionária nos
parece muito mais realista e factível que as vitórias mitigadas das
greves parciais, para não lembrar das muitas derrotas fragorosas; que os
projetos de lei, em cujo conteúdo encontramos muito mais os limites da
nossa luta que a sua continuidade; e que as permanentes acusações de que as nossas derrotas históricas se devem aos reformistas, por um lado, e/ou aos radicais irresponsáveis, por outro.
Achamos que, para fazer avançar a classe,
é preciso, antes, não transformar as desculpas em “barricada segura”
para assentar as próprias inseguranças. E menos ainda, assediar o
conjunto da classe com prognósticos aterradores sobre um hipotético
“futuro próximo”, tentando inclusive arrastar pelo medo e ameaças, mais
ou menos veladas, para aquilo que a ausência do trabalho de base não
possibilitou pelo caminho da indignação. E talvez mais que tudo, não
desrespeitar a base falando em seu nome, mas, muito diversamente, falando com ela.
Defendemos, ainda,
que alguns dos problemas apontados acima afetam hoje os nossos
sindicatos. Problemas estes que se revelam sob a forma de lideranças
semicarismáticas, correntes partidárias, grupúsculos conspiratórios e
individualidades histriônicas. E que se traduzem em greves parciais,
longas e fracas, quando deveríamos ter greves gerais, curtas e fortes.
Um receituário que vem se repetindo ao longo dos anos e que, de tão
infértil, já devasta com a sua aridez até as energias mais vibrantes do
nosso movimento. E, por fim, reforça a lógica que reproduz a estagnação e
a imobilidade, na qual a maioria da categoria não se enxerga em outro
papel que não o de observador passivo.
*OP, tendência político-social Organização Popular.
**GAMA, Grupo de Afinidades e Movimentação Anarquista.