Às 18h dessa quarta-feira 7 de
fevereiro, a banda já estava lá esquentado os tamborins para mais uma
edição do Bloco da Ceguinha, um evento crítico-recreativo tradicional de
iniciativa da categoria serventuária (servidora pública do Poder
Judiciário do Estado do Rio de Janeiro). Mas o evento conta ainda com a
participação de pessoas de diversos setores da classe trabalhadora.
Trata-se também duma forma de resistência cultural de incentivo ao
Carnaval de rua, respeitoso, democrático, acessível a todo mundo. Uma resistência
avessa a qualquer forma de elitização dessa importante festa popular,
que hoje (em muitos eventos) fica confinada em clubes granfinos e
sambódromos com ingressos caros. Entendemos como negativa a realização
de baile de Carnaval a portas fechadas: evento acrítico e meramente
recreativo, isolado da rua e do povo.
A atual direção do Sindjustiça (Sindicato
dos Servidores do Poder Judiciário do RJ) havia decretado o fim do
Bloco da Ceguinha há alguns anos, incomodada pelo seu caráter
iconoclasta, que expõe as mazelas do Poder Judiciário de maneira
bem-humorada. Mas o bloco resiste sem dinheiro de nenhum partido
político, patrão ou instituição governamental. Ele se autossustenta com
recursos voluntários de quem opta por comprar a camisa do evento.
Mais uma vez o bloco aconteceu de maneira
harmônica, divertida, agregadora. Foram cantadas marchinhas históricas
numa valorização desse importante patrimônio cultural do povo, sempre
ameaçado pela indústria do entretenimento, que – em prol do lucro –
tenta sempre impor seus lixos pseudo-culturais massificadores, que
proliferam ostentação e consumismo.
Neste Bloco da Ceguinha 2018 cantamos a plenos pulmões versos que nos
dizem muito: “Valeu, Zumbi/ O grito forte dos Palmares/ Que correu
terras, céus e mares/ Influenciando a Abolição”. “Foi no século passado/
No interior da Bahia/ O Homem revoltado com a sorte/ do mundo em que
vivia/ Ocultou-se no sertão/ espalhando a rebeldia/ Se revoltando contra
a lei/ Que a sociedade oferecia/ Os Jagunços lutaram/ Até o final/ Defendendo Canudos/ Naquela guerra fatal”.
Nós, da classe trabalhadora, recusando
bom-mocismos hipócritas e falsos moralismos, defendemos o Carnaval de
rua, sim. Mas, bem diferente, este ano um burocrata sindical tentou
desqualificar nosso evento escrevendo, por mídia eletrônica, que “no
Bloco da Ceguinha só tem cachaceiro”. O burocrata em questão passou seis
anos ininterruptos em licença sindical, após o que – “já que ninguém é
de ferro” – emendou férias, depois foi presenteado pela administração do
Tribunal de Justiça com uma lotação pra lá de privilegiada. Enquanto
isso, muitos grevistas da paralisação de 2016-2017 amargam em péssimos
locais de trabalho para os quais foram removidos como retaliação por
terem participado do movimento paredista. O “moralista anticachaceiro”
afirmou na época que as remoções não foram motivadas pela greve,
concordando com o que dizia a Presidência do Tribunal de Justiça. O
sujeito não está mais oficialmente na atual gestão do Sindjustiça, mas
certamente continuará ligado à direção, afinal a burocracia sindical “é
uma cachaça danada”.
Tem nada não. A gente continua na luta como sempre. Pois nosso bloco, além de cachaceiro, é também guerreiro.
No Bloco da Ceguinha estiveram presentes
trabalhadores terceirizados, estagiários, estudantes além de gente do
corpo docente do Colégio Pedro II. Também marcou presença a turma da
Cooperativa Comuna 76, que faz a cerveja Ogrão de Malte, uma cerveja
artesanal de qualidade, livre de gourmetização. O grupo produz de
maneira autônoma, autogestionária, sem exploração ou hierarquias. A
filosofia é o autossustento de forma independente, sem exploração do
trabalho alheio, assim como sem exploração animal ou ambiental. Tal
coletivo cervejeiro acredita na capacidade popular de se autogerir e de
possuir os frutos do seu trabalho de forma integral – inexistindo
patrões. Dentro desse mesmo pensamento, já esteve junto ao bloco (em
anos anteriores) o Coletivo Roça, com sua ótima cerveja Caetés,
produzida no Timbau (Favela da Maré). Longe da nefasta lógica
competitiva, propagada pela mídia e pelo patronato, os dois coletivos
(Comuna 76 e Roça) trabalham em apoio mútuo. O que, aliás, é sempre uma
alegria.
A alegria será maior a cada ano. Em 2019
já fica até marcado: na quarta-feira anterior ao Carnaval mais uma
edição do Bloco da Ceguinha no centro da cidade do Rio, que andam
tentando transformar numa crivelândia. Mas o povo resiste sempre!