Plantão Judiciário: metade das liminares é para garantir internação
Com um laudo médico explicitando o risco de morte em mãos, familiares conseguem no plantão uma liminar, e o doente sobe muitas posições na fila de espera por uma vaga na Central de Regulação. Com a canetada do juiz, ele é alçado a uma categoria em que o prazo dado na decisão para a internação conta mais do que a gravidade do doente. Surgem, então, duas categorias de pacientes: os “com liminar” e os “sem liminar”. Ter uma posição melhor na fila, porém, está longe de garantir a solução de todos os problemas.
Durante dois plantões noturnos - 27 de julho e 4 de agosto - e um diurno - 4 de agosto - o EXTRA acompanhou 17 casos de pessoas que procuraram o setor porque seus familiares ou clientes necessitavam com urgência de internação, ou que o plano de saúde autorizasse cirurgias ou próteses. Desses, 12 precisavam de UTI.
Nesse período, foram concedidas 14 liminares. Dessas, três foram cumpridas em 24 horas, como determinava o juiz, nove foram acatadas depois do prazo, sendo que um paciente morreu 50 minutos após a transferência. Duas liminares não foram cumpridas e os doentes morreram. Cerca de um mês depois, oito não haviam resistido.
Os casos acima são apenas uma amostra dos 1.235 pedidos apreciados por mês, em média, no Plantão Judiciário. Desses, 300 se referem a questões de saúde, uma média de dez casos por dia. Todo esse movimento gerou, de janeiro a julho deste ano, 3.190 decisões. Metade delas (1.597) buscava garantir tratamentos ou internações.
- Casos que envolvem saúde correspondem a 60% dos atendimentos do Núcleo de Fazenda da Defensoria. Após as 18h, quando apenas casos de risco de morte são apreciados no plantão, quase todos se referem a pedidos de leito em UTI - disse o coordenador do núcleo, Fabrício El-Jaick.
O defensor lembra, no entanto, que o problema da falta de UTI não é uma questão de Justiça, mas de administração pública:
- O juiz dá a canetada, mas daí ao gestor cumprir é o problema. Há limitação de espaço na UTI. O que fazer?
Foi o que se perguntou o caldeireiro de navio Jorge Luiz da Silva, de 53 anos, ao ver a mulher, de 46, vítima de um derrame, con-
tinuar internada na sala de estabilização do Hospital Paulino Werneck, na Ilha do Governador, sem ter como realizar uma tomografia, ao fim do prazo de 24 horas dado pelo juiz para a transferência da paciente para a UTI de uma unidade que tivesse tomógrafo.
- A ordem do juiz não vale de nada para eles. Os funcionários do Paulino Werneck só diziam que ainda não tinham a vaga e que estavam esperando a resposta para a transferência. A resposta foi que minha esposa está morta. A liminar foi dada às 18h de sábado e ela morreu às 19h de domingo, uma hora depois de o prazo dado pelo juiz ter acabado. Minha mulher não morreu por causa do derrame. Ela morreu devido à falta de um socorro adequado - disse Jorge, com a voz embargada.
No Plantão Judiciário, a última esperança de conseguir uma internação
- Espero que a vaga na UTI para a minha mãe saia a tempo. Ela está muito debilitada, sem se alimentar desde que foi internada na UPA da Tijuca, no dia 11 de julho. Ela teve uma trombose e está na sala vermelha, com dificuldade para respirar e precisando de alimentação por sonda - contou Adelaide.
O ar de cansaço não impedia que Adelaide contasse os percalços que enfrentava para cuidar da mãe:
- Na UPA, disseram que eu devia me mexer para sair a transferência. Se tivéssemos conseguido logo um atendimento adequado, nada disso estaria acontecendo.
A assistente social se refere às recusas de atendimento que ela e a mãe receberam até chegarem à UPA:
- Minha mãe levou um tombo e estava com muita dor na perna. Fomos para o Souza Aguiar. Lá, nos encaminharam para a Coordenação de Emergência, no pátio do hospital. Nessa unidade, nos mandaram procurar um posto. Fomos para a UPA da Tijuca, onde a internaram.
Foi uma funcionária da UPA que orientou Adelaide a ir ao Plantão Judiciário.
- Estive aqui na madrugada do dia 3. Cheguei à meia-noite e saí à 1h45m com a liminar. Mas, por mais maravilhoso que seja esse sistema, não significa que você terá a vaga. Estou de volta porque a liminar não foi cumprida. Não posso desistir. Minha vida é ela. Meu dia só acaba quando ela dorme à noite e eu vou para casa. Durmo rezando para que eu possa continuar a tomar conta dela no dia seguinte - disse Adelaide que, entre lágrimas, lembrava que o horário da sopa da mãe passava sem ela estar presente para tentar alimentá-la com uma seringa.
Adelaide só conseguiu a segunda liminar no dia 5. Dois dias depois, sua mãe foi, enfim, internada na UTI do Hospital Estadual Alberto Torres, em São Gonçalo.
- Nesse tempo em que ficou na UPA, pegou pneumonia e infecção nos rins. Só me resta rezar — disse Adelaide, um dia após a transferência.
Adelaide rezou. Mas sua mãe não resistiu e morreu seis dias depois.
- A Justiça conseguiu a vaga, mas foi tarde.
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