(Por: Clara Ferrer*)
Hoje,
ao acordar depois do primeiro dia de filmagem do meu novo filminho, finalmente
tive a oportunidade me informar e pensar sobre tudo o que aconteceu nas ruas
ontem enquanto estávamos imersos na nossa pequena bolha cinematográfica. Como
sempre, o que mais me pegou foram os habituais comentários de que "os
baderneiros tiverem o que mereciam", de que "protesto tem que ser
pacífico, senão é vandalismo", de que "manifestação impede o direito
de ir e vir".
Sabe, é engraçado. Quando gente a gente vê filme sobre uma
judia explodindo um cinema cheio de nazistas, um grupo de carismáticos
pobretões armando um grande plano para assaltar bancos ou camponeses invadindo
o castelo de algum rei tirano, a gente não tem dificuldade em entender quem é o
herói e quem é o vilão, quem nos representa e com quem devemos e QUEREMOS nos
identificar, e os motivos pelos quais a violência e o desrespeito às leis,
vindo dos oprimidos contra os opressores, são não apenas justificáveis,
aceitáveis e legítimos, mas também talvez até necessários e desejáveis.
Claro, cinema não é vida. Mas é dela que ele tira todo o seu
material - a Revolução Francesa, a resistência contra o nazismo, a luta diária
do homem pequeno contra as grandes corporações, todos esses eventos são coisas
muito reais, e quando pensamos nelas, na sua narrativa e em quem é quem nessas
histórias, mais uma vez, acho que não é difícil identificar quem gostaríamos de
apoiar e os motivos que justificam a violência nas ações dessas pessoas. Não é
difícil perceber que, em certas situações, a violência é necessária, sim.
Porque protesto e revolução pacífica podem até ocorrer, de fato, em contextos
muito particulares e específicos. Mas na maioria das vezes a mudança só vem da
interrupção da ordem, do incômodo profundo, da ameaça ao status quo. Só que,
para que isso aconteça, é preciso que essas ações ocorram em larga escala. É
preciso apoio popular. É preciso que todo mundo vá pras ruas e lute junto.
Então é claro que, quando as pessoas começam a ir para as ruas, a primeira
coisa que quem está no poder faz é buscar um jeito de cortar o apoio popular,
tornar os protestos tão anêmicos e pouco efetivos quanto possível, tornar a
própria luta impossível. Quando você aceita esse discurso de que manifestação
popular só pode ser pacífica, e o resto é baderna e vandalismo, você está
fazendo justamente o que o poder vigente quer. Você está retirando o seu apoio
da sua própria luta.
Com seu discurso, você está apoiando outro tipo de violência:
a violência dos grandes bancos que ficam bilionários enquanto endividam o
trabalhador e sonegam impostos em quantias que poderiam salvar estados
inteiros. A violência dos manda-chuvas do transporte público, que enriquecem de
maneira inimaginável enquanto a gente precisa gastar um quarto de cada dia e
metade do nosso salário só pra sair de casa e voltar. A violência de
governantes que, afundados em privilégios inconcebíveis, cortam com a
consciência limpa os nossos tão suados salários, férias, aposentadorias, empregos,
escolas e hospitais. A violência da força policial e militar que, armada com o
monopólio da violência conferido pelo Estado e com um aparato bélico adquirido
através dos nossos próprios impostos, chuta e bate e mata e quebra e acusa e
mente e prende e ataca quem bem entende.
É a esse lado que você está se aliando quando nega a
legitimidade de se rebelar, da maneira que for necessária, contra essas
violências. Quando você une sua voz ao coro da massa de manobra doutrinada
pelos grandes meios de comunicação que querem restringir o máximo possível
nossas possibilidades de luta. Não se engane. Você está mais próximo do
mendigo, do ladrão de dos"protestantes baderneiros" do que da
polícia, dos bancos, dos jornais e das instituições que defende de maneira tão
irrefletida e encarniçada.
Melhore.
(*Clara Ferrer é escritora e estudante de Cinema. Este seu texto foi postado sem título na rede social Facebook em 29/04/17)