(Por: Marcos Kalil Filho)
Cheguei na Alerj por volta das 15h e me reuni com
cerca de sete amigos. Havia muitos aposentados, adolescentes, professores,
coletivos e famílias. As ruas estavam tomadas da Praça XV até bem depois do TJ.
Três carros de som berravam palavras de ordem. Às 16h, o protesto caminharia
até a Candelária, onde deveria seguir pela Rio Branco até chegar ao ato
principal na Cinelândia.
Era a primeira vez em muito tempo que as
manifestações de rua contra as forças conservadoras alcançavam o Centro
político. O governo, que vem monitorando as redes sociais, inclusive fora dos
termos de uso dessas mesmas plataformas, sabia disso. A repercussão digital, o
"buzz", tão importante nos dias atuais, já incomodava aquele cuja
popularidade capitula em 4%.
Era também a primeira vez em muito tempo que a
figura do trabalhador assumia a centralidade do discurso das ruas. Desde 2013,
as pautas identitárias - feminismo, racismo etc - e as moralizantes -
corrupção, Lava Jato etc - eram responsáveis pelo maior engajamento e
mobilização das massas. Com o avanço das reformas trabalhista e previdenciária,
a questão, que sempre esteve no âmago das tensões políticas, se explicitou
inarredavelmente. De forma rápida, diversos setores da sociedade se
articularam, deixando as diferenças de lado, e foram para a rua assumir sua
condição comum de trabalhador.
O risco para o establishment dobrou. A potência do
mote político do Trabalho é enorme, pois diz respeito à vida das pessoas, ao
tempo delas, a sujeição de seu corpo e de suas expectativas. A resposta, então,
não poderia ser diferente. Alguns passos foram dados e as bombas começaram a
ser jogadas pela polícia contra uma multidão absolutamente pacífica. Os black
blocs sequer estavam por lá. Os estalos eram constantes, desproporcionais,
injustos. Vi tudo a poucos metros de mim. Idosos, mães, professores atônitos
sem entender. Corremos.
Curiosamente, recebi a informação de um morador da
Pinheiro Machado que as bombas também começaram a estourar naquele instante
contra o protesto, em frente ao Palácio Guanabara. A operação parecia
orquestrada, sugerindo um plano consciente e abrangente de desarticulação das
movimentações grevistas.
Eles não iriam permitir nem uma foto para dizer que
a greve geral se deu. Parte dos manifestantes, então, se dispersou. Eu e meus
colegas fomos pela Rua do Mercado e, eventualmente, chegamos ao CCBB. A trilha
sonora das bombas diminuiu, mas não cessou. Olhando pela 1º de Março, o grupo
que resistiu aos ataques truculentos da polícia seguia rumo à Candelária
emoldurada pela fumaça.
A passeata não parou na Igreja, tomando a Rio
Branco logo em seguida. Ali, fomos todos encurralados por muitos policiais. Os
corredores de prédios reverberavam as explosões. Pânico e correria. Eu e meus
colegas fomos até a Uruguaiana, onde as portas do metrô fechavam abruptamente.
A multidão tentava entrar pela abertura que restava. Cena do fim do mundo. Um
horror.
Fomos em direção à Cinelândia, acreditando que a
presença de políticos e o palco inibiriam a atuação ditatorial da polícia. Até
aquele momento, não houve um incidente de intimidação por parte de black blocs
ou coisas do tipo. Era uma ação unilateral e planejada do corpo policial. O
Caveirão perseguia manifestantes pelo miolo do Centro, atirando balas de
borracha. Ao chegar no comício, não demorou muito para as bombas e os tiros
empurrarem a multidão para diversas direções. O relógio marcava 17h.
Os policiais vieram em maior número da Senador
Dantas pela Alcindo Guanabara, da Rio Branco e uma bomba foi jogada em frente
ao Amarelinho, indicando a presença policial também na direção da Praça Mahatma
Gandhi, para onde a maioria das pessoas correu. Ali, o ato foi definitivamente
sepultado. Os poucos que sobraram resistiram à cavalaria e ao Caveirão entre o
MAM e o Catete. Na escuridão e no lamaçal, muitos escorregaram, machucando-se.
Às 18h, voltei para a casa.
A violação do "direito de ir e vir", jargão que o senso comum abusara
ao longo do dia para atacar os grevistas, ressignificava-se com o novo patamar
atingido pela arbitrariedade estatal. Se, anteriormente, as manifestações
ocorriam para, em seu final, terminar com a violência policial, o ato da greve
geral sequer pôde começar. Os tempos são outros. Nada ficará no caminho do
projeto de desmonte da Constituição. Está em andamento o desenho de um pacto
social renovado em que não há espaço para dissonâncias.
(* Este texto de autoria de Marcos Kalil Filho se refere aos acontecimentos de sexta-feira 29/04/17 no Rio de Janeiro)
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