ONG acusa polícia do Rio de criminalizar a pobreza
A atuação da polícia do Rio depois da mais recente onda de violência na cidade é característica de "uma política que criminaliza a pobreza", diz a organização não-governamental de direitos humanos Justiça Global.
"Não é uma situação nova", disse à BBC Brasil a coordenadora de projetos da ONG, Camilla Ribeiro. "É consequência de uma política que vem sendo implementada no Rio há muito tempo, que nós caracterizamos como uma política que criminaliza a pobreza e que se pauta pela lógica do extermínio como uma lógica de eficiência."
Os atos de violência na capital fluminense se intensificaram a partir do último dia 17, quando um helicóptero da Polícia Militar foi derrubado por traficantes na Zona Norte da cidade. Desde então, mais de 40 pessoas já foram mortas, entre elas três policiais que estavam no helicóptero alvejado.
Questionada sobre as declarações da ONG, a Secretaria de Estado de Segurança do Rio não havia se pronunciado até a publicação desta reportagem.
Em declarações anteriores, no entanto, o governador do Rio, Sérgio Cabral, tem reiterado que o principal objetivo das ações policiais é levar a paz às comunidades e recuperar territórios ocupados por criminosos, que "atuam covardemente" e "usam moradores de escudo".
Manifesto
A Justiça Global é uma das mais de 20 ONGs que assinam um manifesto divulgado nesta terça-feira condenando as operações policiais no Rio após a queda do helicóptero.
"A questão do helicóptero é onde a política está orientada na perspectiva da vingança", diz a coordenadora da ONG. "É uma vingança sem uma estratégia de combate de fato ao narcotráfico ou de resolver a situação. Mas é uma vingança ao espaço da favela."
Segundo a representante da Justiça Global, há na política de segurança do Rio "um entendimento de que os espaços populares são espaços inimigos".
"Ao ser pobre, você já é entendido como um criminoso. Não há uma desvinculação dessas duas condições", disse Ribeiro.
De acordo com Camilla Ribeiro, moradores de comunidades pobres muitas vezes são tratados como traficantes. "E isso, de alguma maneira, legitima que essas pessoas sejam mortas. O Brasil não tem pena de morte na lei, mas acaba tendo na prática."
"Padrão"
Em entrevista à BBC Brasil, o diretor-executivo da ONG Viva Rio, Rubem César Fernandes, afirma que, desde o final da década de 80, o Rio vive picos de violência "em um padrão que se repete", mas que, apesar disso, o número de homicídios vem caindo.
No caso específico da queda do helicóptero, a Viva Rio (que não faz parte do grupo autor do manifesto) diz que a polícia reagiu atacando a facção que provocou a queda da aeronave, o que acaba fortalecendo o grupo rival.
"Para a população, é o horror de sempre. Em um confronto tão violento, em um território tão pequeno, tão denso, é inevitável que ocorram erros", disse. "É uma lógica que nos coloca em um ambiente de insegurança radical, a própria polícia fica insegura."
No entanto, Fernandes diz não concordar com a afirmação de que a polícia agiu de modo "vingativo".
"É um julgamento moral, quando acho que se trata de uma questão mais ampla, mais grave, que é a questão política", afirma o diretor da Viva Rio. "Quando a polícia reage como reagiu, de maneira tão forte, contra a facção que derrubou o helicóptero, de certa maneira está respondendo a uma ação dos bandidos. Coloca a polícia em uma postura reativa."
"Isso é muito preocupante, porque vivíamos um momento em que parecia que o Estado estava criando uma agenda própria e conseguindo se impor", acrescenta.
Fernandes cita como exemplo desse bom momento as Unidades de Polícia Pacificadora. "É importante, a ideia de que é preciso ocupar e ficar, com uma estratégia de policiamento de proximidade da polícia com a população", disse o diretor da Viva Rio. "A questão agora é se o governo vai conseguir retomar essa estratégia."
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