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terça-feira, 24 de março de 2020

O SOMBRA SABE (março/2020)


VIVENDO NA BOLHA. ATÉ QUANDO?

Tem servidores que acham que vivem mesmo numa bolha e as mazelas, pelas quais passa a categoria, não os atingem. Uns porque são assessores de desembargadores e ganham uma gorda gratificação. Outros porque secretariam juízes e recebem também uma não desprezível comissão. Até mesmo alguns que trabalham a distância ou no gabinete sem comissão, mas não são submetidos ao atendimento à população, acreditam nessa situação apartada do mundo. Um reflexo disso é um setor de um famoso fórum regional. Servidores costumam se reunir com outros em suas casas para tomar chá ou vinho importado (chique!) e falarem sobre a última viagem ao exterior, a última aquisição de bem eletrônico, a última roupa comprada, até o castelo de areia se desfazer e todos caírem na real e verem que nunca foram juízes e, em breve, se tornarem trabalhadores precarizados. Acorda, rapaziada!

A CAÇADORA ATACA NOVAMENTE

Na 2ª Instância, chefete continua fazendo das suas. Se o funcionário falta, ela finge que aceita o atestado, depois bota o serviço do(s) dia(s) faltado(s) para o servidor dar conta, além do serviço do dia do retorno. Sai pra lá, Capitã do Mato!

TERRAPLANISTA NO TJ

Além de ter virado eleitor do Bozo, servidor ex-grevista, agora terraplanista de raiz (seguidor da seita de Olavo de Carvalho), se recusa a tomar vacina. "Marcô" bobeira, filho? Se o peleguismo já te pegou, cuidado que o sarampo mata!

NAS MINAS DO "REI" SALOMÃO

Servidora, que interrompeu as férias para trabalhar durante uma greve da categoria, continua a fazer das suas. Com boa dose de perversão, além de eleitora do Bozo, após concluir o serviço de retorno da conclusão (uma "mina" para serviço rápido e de grande produtividade no DCP), ela pergunta em voz alta, visando deixar os demais colegas (assoberbados de trabalho) em má situação: "Posso ir embora antes da hora, chefe?".

EM TEMPOS DE X-9 E VILÕES

Quando crianças lemos, nas histórias do Zorro, que Don Diego de La Vega assume a identidade secreta para defender plebeus e indígenas na Califórnia e combater com sucesso contra funcionários corruptos, tiranos e outros vilões. Mas, saindo da infância e indo para a idade adulta, trabalhamos em um tribunal onde quem se dá sempre bem é o vilão. Como vemos em um cartório cível da Capital, onde o RE tem promovido a deduragem, contando com a colaboração de funcionário X-9, seu braço direito, que cagueta colegas, em troca de alguns privilégios. O curioso é que o dito RE, quando trabalhou em uma regional, não era prodígio em chegar no horário.

A seção O SOMBRA SABE integra o jornalzinho Boca Maldita, informativo do CESTRAJU. Estas notas, especificamente, foram publicadas no Boca Maldita nº 111, de março/2020.

RÁPIDAS

Oh, Glória
Seguindo os passos do marreco de Maringá (o sinistro ministro Sérgio Moro) e do fanfarrão Wilson Wtzel, a juíza Glória Heloísa de Lima da Silva pediu exoneração da magistratura fluminense para se candidatar, provavelmente, à prefeitura do Rio de Janeiro, este ano, apoiada pelo governador. Para largar a magistratura é como diz o ditado popular: "a boca é muito boa!". Enfim, estamos feitos!

Operação Faroeste na Bahia
Quatro desembargadores (incluindo o presidente e a vice presidente) e três juízes foram denunciados pela Procuradoria Geral da República, no final de 2019, por suposto esquema de venda de sentenças no Tribunal de Justiça da Bahia. A farra do boi não para aí. Os desembargadores da Mesa Diretora do TJ-BA (alguns já afastados) receberam R$330 mil em diárias, em dois anos. Realmente, é dura a vida de um magistrado!

E em Campos dos Goytacazes...
No final de 2019, o juiz Glaucenir de Oliveira, da 3ª Vara Criminal de Campos, foi afastado por dois anos por insinuar que o sempre questionável Gilmar Mendes, ministro do STF, terjia recebido propinas. Glaucenir foi também obrigado a pagar uma indenização de R$27 mil. Já o seu parceiro de magistratura na comarca, Cláudio Cardozo da França, por morosidade na análise de processos, foi censurado pelo Órgão Especial do TJ, que impede a sua promoção por um ano (oh!!!). Que exemplo de moralidade é o Judiciário!

Batida nas Regionais
No início de março/2020, fiscalização e recolhimento do ponto nas regionais do Méier e Madureira. Não satisfeitos e perseguir e suspender servidores, Keith Marrone e Paulinho "Cachorro Louco" seguem mostrando os dentes.

Ken Loach em Tempo de Forças-Tarefa
Para quem não viu, o filme novo do diretor britânico Ken Loach, "Você Não Estava Aqui" é uma crítica demolidora sobre a precarização do trabalho e a "uberização" deste. Coisa que nós estamos vivendo aos poucos no TJ: falta de funcionários, forças-tarefa no DIPEA, Central de Cálculos e VEP para tentar compensar e um edital de concurso para um número de vagas pífio diante da carência de funcionários. Se não reagirmos, vai piorar ainda mais.

segunda-feira, 23 de março de 2020

O Que Vem a Ser o CESTRAJU

O Centro Socialista dos Trabalhadores do Judiciário (CESTRAJU) foi criado em 2016, com o objetivo de estudar o processo de privatização da força de trabalho no TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro) e conscientizar os servidores (iludidos com a política de parceria desenvolvida pela então gestão sindical com o Poder) sobre os efeitos nefastos da política de conciliação de classes, que não combatia a privatização.

Revista Contra Legem, iniciativa que muito deve ao CESTRAJU
Em 2013, o CESTRAJU conseguiu registro legal. A partir de 2018, como a entidade sindical (Sindjustiça) foi acometida definitivamente do MAL DE ALZHEIMER, e a ausência de democracia de fato se perpetuou no referjido sindicato, o CESTRAJU se tornou um fórum de luta. Muito mais do que uma oposição sindical, o CESTRAJU também é um polo aglutinador de trabalhadoras e trabalhadores de esquerda, com diversas concepções.

 
Entre as iniciativas do CESTRAJU na nossa categoria estão o longevo informativo Boca Maldita (conhecidíssimo entre a categoria serventuária), o BLOGUE DO CESTRAJU e o tradicional Bloco da Ceguinha. Além disso, o Centro Socialista de Trabs. do Judiciário promove sempre campanhas de solidariedade a pessoas da categoria serventuária perseguidas pelo Poder, como também de apoio a outras categorias em luta.

Bloco da Ceguinha 2018
Para tanto, o CESTRAJU tem finanças próprias: uma anuidade de R$35,00 (trinta e cinco reais), ou mensalidade de R$3,00, algo compatível com a situação de arrocho em que vive a categoria servidora no TJ. Diferente do rico Sindjustiça, que arrecada muito e investe quase nada na luta, mas, em contrapartida, dá privilégios aos seus diretores.   

domingo, 22 de março de 2020

Barrar a Reforma Administrativa do Bozo e de Paulo Guedes!

Mesmo com todos os ataques desferidos pelos governos federal, estadual e municipal à classe trabalhadora e à população - como a Reforma da Previdência de 2019 e o desmonte dos serviços públicos e de estatais (vide caos nos pedidos de aposentadorea no INSS; crise da saúde e da água no Rio de Janeiro; venda de setores da Petrobrás etc.) - o resultado foi desapontador: o Produto Interno Bruto brasileiro cresceu 1,1% em 2019, o dólar está chegando perto de cinco reais e existe uma intensa fuga de capitais do Brasil. A Bolsa de Valores "derrete", repetem os analistas da grande mídia, serviçais do capital financeiro.

Espremido pela crise estrutural da economia capitalista mundial (tendo a atual epidemia mundial de coronavírus sido eleita a grande vilã), o governo de Bozo, Moro e Paulo Guedes volta a sua sanha assassina para cima do funcionário público, seguindo obediente à banca financeira internacional. Neste sentido, a Reforma Administrativa proposta pelo atual governo objetiva: fim da estabilidade (sendo esta uma garantia para o servidor exercer sua função independente de cada governo de plantão), possibilidade de redução de salário, limitação de concurso público (com aumento da terceirização) etc.
Os Três Cavaleiros do Apocalipse: $érgio Moro, Bozo e Tchutcuca dos Banqueiros
É importante enfatizar que se não houver resistência, a Reforma Administrativa passará com facilidade, porque apesar da crise gerada pela manifestação apoiada por Bozo contra o Congresso e o STF, o Legislativo e o Judiciário estão também obedientes às exigências do capital financeiro. E é ledo engano achar que a Reforma Administrativa sáo estará no âmbito federal, pois a Reforma da Previdência de 2019 já foi aprovada esse ano em vários estados (inclusive em governos petistas), em meio a tiro, porrada e bomba, como foi o caso de São Paulo, nonde o criminoso Dória (PSDB) impôs também uma alíquota de contribuição do funcionalismo de 16%. Por tudo isso, é fundamental que estarmos atentos, organizados e sempre com muita disposição para a luta.

sábado, 21 de março de 2020

Luta Contra a Reforma da Previdência Não Acabou

Em 2019 não tivemos sucesso na luta contra a Reforma da Previdência, pela traição e inoperância das direções sindicais e - pasmem! - pela concordância de alguns trabalhadores com as propostas desse governo. Agora, estamos diante da continuidade dessa reforma com a chamada PEC Paralela, que incluirá os servidores estaduais e municipais nas novas e piores regras já aprovadas pelo Congresso Nacional.
Portanto a luta contra a PEC Paralela e a Reforma Administrativa, que quer reduzir o salário dos servidores públicos e acabar com a estabilidade, deve ser empreendida já e intensificada o quanto antes. Não dá pra brincar com um governo ultraliberal comprometido até o último fio de cabelo com banqueiros. É preciso que os servidores fiquem atentos e que as direções sindicais parem de cochilar.

Lutar para não passar o sexto ano sem reajuste

O verão de 2020 ficará marcado pelo gosto amargo da água no RJ. Mas amargura pior passam os servidores estaduais que desde 2014 não têm reajustes em seus salários. Com os preços dos aluguéis, condomínio, luz, que não param de aumentar, já é possível prever uma perda no poder de compra de mais da metade dos nossos salários.

Os governantes, em conluio com banqueiros e grandes empresários, querem jogar a conta dessa crise nas costas de quem trabalha. Os serviços públicos para a população necessitam de servidores valorizados com dignidade para poderem se sustentar e manter a qualidade do atendimento.

Passamos esses anos todos nos endividando e reclamando nas redes sociais sem que nada de efetivo fosse feito. As direções sindicais trataram de frear a luta nesse período.

Aqui no TJ, trocaram a luta por reajuste por uma mudança ínfima no sistema de promoções. O empobrecimento da categoria serventuária é um fato, por isso o momento é de nos associarmos em vista a uma luta pela valorização dos serviços públicos, enfrentando a sanha privatista dos governos.

Sabemos que uma categoria isolada não terá forças para enfrentar esse governo e seus porta-vozes, tanto na imprensa tradicional, quanto nas milícias digitais que atacam o serviço público e os servidores.


Temos que nos organizar desde já! Em ano eleitoral, os poderosos tentarão nos distrair com suas campanhas enganadoras. Mas a ação direta da classe trabalhadora tem mais a ganhar do que ficar acreditando num jogo de cartas marcadas. 

sexta-feira, 20 de março de 2020

Um centro cultural pertinho de nós há mais de meio século


(por: W.B.*)

Um espaço cultural com quase 60 anos de existência, bem no Centro do Rio, próximo ao Largo da Carioca. A placa ao lado de fora do prédio anuncia: “Esperanto, Língua Internacional”. Muitas pessoas passam apressadas por ali e nem se dão conta, voltadas sobre si mesmas, seus smartphones e suas ocupações rotineiras. Mas será se não valeria a pena visitar o local, nem que fosse por curiosidade, simplesmente para saber do que se trata?

Para quem ainda não apareceu por lá, vai a informação. Trata-se da sala da Cooperativa Cultural de Esperantistas, própria, adquirida em dezembro de 1956 e em plena atividade até os dias de hoje. A entidade não tem fins lucrativos. Seu objetivo é promover divulgação, ensino e manifestações culturais ligadas à língua Esperanto.
Esperanto é um idioma planejado, criado pelo médico polonês Lázaro Zamenhof (1859-1917), para criar maior entendimento entre os povos, sem imposições culturais. A idéia é que somente uma língua não pertencente a nenhum país específico poderia ser verdadeiramente uma língua internacional, sem que isso representasse alguma espécie de imperialismo ou aculturação. Pela filosofia esperantista, absolutamente todos os idiomas locais devem ser preservados, ficando o Esperanto como segunda língua de todos os povos. Na elaboração do idioma, foram utilizadas raízes comuns a diversas línguas e deixaram-se de fora as exceções gramaticais que normalmente enfernizam a vida do estudante. O resultado, garantem os esperantistas, foi um idioma que se aprende melhor e mais rápido que qualquer outro no mundo.
Antes mesmo da aquisição da sala, que é sua sede há décadas, a Cooperativa Cultural de Esperantistas (em esperanto "Kultura Kooperativo de Esperantistoj") já existia oficialmente. Sua fundação legal se deu em meados de 1951. Em 1967, além de sua sede, a C.C.E. ("K.K,E,") passou a contar também com uma colônia de férias chamada Fazenda Esperanto, localizada no bairro de Bangu (zona oeste do Rio).
A sala da cooperativa é bastante modesta, na verdade: decoração simples, algumas carteiras, quadro para aulas, pouco material audiovisual. Mas o fato é que a instituição é referência no mundo esperantista. Hoje a cooperativa se orgulha de ser, cada vez mais, um pólo difusor cultural do Esperanto, com venda de livros, CDs, DVDs e uma concorrida agenda de eventos. Além disso, o público tem a seu dispor cursos em diversos níveis – e gratuitos. O espaço é mantido por voluntários, mas, ainda assim, fica aberto ao públicao de segunda a sábado, em horário comercial, o que não deixa de ser uma proeza. Agora, não é nenhuma proeza dar uma passadinha por lá para conhecer, basta a pessoa não se fechar para as riquezas culturais que estão a nossa volta, bem pertinho.
A Cooperativa Cultural dos Esperantistas fica na Av. 13 de Maio, 47, sala 208, no Rio de Janeiro. Tel. 2220-6486.

* W.B. é técnico de atividade judiciária do TJ-RJ, membro do CESTRAJU (Centro Socialista de Trabs. do Judiciário), esperantista e associado à K.K.E. (Kultura Kooperativo de Esperantisoj).

terça-feira, 17 de março de 2020

Rejeição aos Poderes: Dilemas Individuais e Veredas Coletivas



(Por: W.B.*)



Vivemos numa sociedade autoritária. Aliás, mal se pode chamar de sociedade esse imenso campo de concentração dividido em castas sobrepostas. Afinal, qual é a “sociabilidade” que pode existir entre senhores e escravos, clérigos e fanatizados, proprietários e despossuídos, governantes e governados?

A ditadura mais explícita é aquela em que o Poder Executivo se agiganta e oprime abertamente as pessoas, mas esta está longe de ser a única forma de despotismo. Não desejemos reis de forma alguma, mas também não vamos fechar os olhos para o caráter monárquico que se esconde sob as repúblicas modernas. Todo governo, qualquer que seja sua forma (personalista, constitucional, fascista, republicano, nazi, imperial ou populista) é – por sua própria natureza – opressor. E o fato é: ele sempre busca se perpetuar, apesar das fantasias de quem acredita no caráter positivo de certas ditaduras que se proclamam como transitórias.

Sabe-se que, como contraposição às ditaduras, juristas agitam até hoje a embolorada bandeira da tripartição dos poderes, fechando olhos (e narizes) para aquilo que a macula há séculos. O pensamento desses idealistas do Direito seria que o Poder Executivo fosse controlado pelo Legislativo, enquanto o Judiciário ficaria de olho nos outros dois. Emerge a besta estatal perfeita, autorregulada, monstro de três cabeças: Poder Executivo, Legislativo e Judiciário. E o que dizer do Poder Econômico? Ele é a alma do monstro, a qual comanda suas três cabeças (mas é claro que isso não é dito na teoria jurídica). A face executiva ameaça os pobres com seus braços armados; a legislativa garante a propriedade dos ricos; a judiciária condena os desobedientes.

Essa fera de tríplice mordida vem nos devorando continuamente através dos séculos, e o pior é que muitas vezes isso se dá com a nossa concordância. Nas faculdades de Direito do Brasil, muitas das chamadas disciplinas propedêuticas pregam que o Estado nasceu da necessidade de existir um poder maior, para proteger os fracos da opressão dos fortes. Diz-se ainda que um pretenso contrato social teria instituído o Estado. Cada pessoa teria aberto mão duma parcela de sua liberdade individual em prol de segurança (esta mais diretamente garantida pela polícia). A magistratura seria o elemento neutro que mediaria os conflitos. Para afirmar tudo isso, recorre-se a Montesquieu, Rousseau, Hobbes e por aí vai. Por mais díspares que sejam as teorias, usa-se de tudo para justificar o Estado.

Por que a maioria de nós engole tudo isso como verdade? Onde está arquivado o tal “contrato social” que nossos ancestrais teriam assinado? Como algum poder pode “proteger os fracos da ação dos fortes”, se ele próprio também é um forte? Se a magistratura é composta por integrantes da sociedade de classes, como ela pode ser socialmente neutra?

Somos levados a acreditar em todas essas falácias do Direito burguês, porque não suportamos viver sem essas ilusões. Afastamos de nossa mente a angustiosa visão de que somos continuamente explorados e oprimidos por um sistema injustificável. Recalcamos o que poderia nos perturbar e assim adotamos concepções que tornam a vida “suportável”. Além disso, somos recompensados psicologicamente pelo pensamento de que estamos vivendo de acordo com nossas ideias, sem sermos pegos em contradição de comportamento.

No contexto brasileiro deste início de século 21, o serviço público ainda tem se mostrado um campo de trabalho razoavelmente seguro, por conta da estabilidade no cargo e do processo seletivo mais democrático, se comparado ao da iniciativa privada. Assim, muitas pessoas procuram vender sua força de trabalho para o Estado. E, aí, como odiar esse Estado que lhe dá o pão? Como viver sem sentir a picada angustiante duma existência hipócrita, que se sustenta do dinheiro de seu inimigo? Há quem escape dessa angústia adotando concepções de mundo justificadoras da sociedade tal qual ela é. Só que o preço a se pagar é muito alto: nunca transformar o mundo num lugar melhor.

Toda pessoa que sonha com uma realidade diferente daquela que está à sua volta vive – em maior ou menor grau – numa contradição. Quem odeia o governo, mesmo assim lhe paga impostos. Também o anarquista precisa registrar o filho. O anticapitalista muitas vezes acaba trabalhando no comércio. E os exemplos vão ao infinito…

A vida é contradição, conflito, movimento, dialética. O importante não é negarmos esse aspecto, mas vivermos o mais libertariamente possível desde já, mesmo navegando em meio a ondas autoritárias.

Lima Barreto, escritor anarquista carioca
O escritor libertário Lima Barreto (1881-1922), por exemplo, era funcionário civil do Exército, apesar de profundamente antimilitarista. Embora republicano fervoroso, o literato Euclides da Cunha (1866-1899) era militar sob um regime monárquico. Como eles viveram essas contradições? Lima criticou corajosamente o patriotismo (essa “religião do Estado”, no dizer dos anarquistas), além de sempre ridicularizar o governo e a burguesia em suas obras satíricas. Euclides da Cunha protagonizou o conhecido “episódio da baioneta”, no qual (em 1888) saiu da fila de cadetes e, após tentar quebrar sua baioneta, atirou-a aos pés do ministro da guerra do governo monárquico.
Euclides da Cunha, engenheiro e literato republicano

Como serventuário do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, o que proponho à minha categoria (como à classe trabalhadora em geral) é que não se iluda acreditando nas falácias do Poder Judiciário, que podem até parecer reconfortantes num primeiro momento, mas no fundo são paralisantes e escravizadoras. Enxerguemos os problemas, lutemos contra eles, assumamos as contradições de viver num mundo que não é aquele que queríamos. Não nos fechemos para o movimento da vida.

E essa rebeldia salutar, para não ser quimérica, ou irresponsável, deve se forjar coletivamente, pela união com outras irmãs e irmãos de classe. Vivamos desde já a revolução, que é – necessariamente – viva, dialética, prática e coletiva.

* W.B. é técnico de atividade judiciária e associado do CESTRAJU.

segunda-feira, 16 de março de 2020

O Serventuário Que Virou Suco ou a Mente Que Virou Queijo


(Por: W.B.*)


O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro impõem que, para progredir na carreira, suas servidoras e servidores se submetam a pelo menos trinta horas de cursos por ano, ministrados pela Escola de Administração Judiciária (ESAJ). Esta teria como missão, segundo a Administração do TJ-RJ, “promover ações de capacitação para formação e aperfeiçoamento de servidores de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo PJERJ”.
A atual direção do Sind-justiça – Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro (eleita em outubro de 2011 e reeleita em dezembro de 2014) lamentavelmente não se opõe à obrigatoriedade dos cursos da ESAJ para progressão e promoção na carreira. Isso ficou patente já a partir daquela que foi a última assembleia setorial do estado acerca do reajuste salarial de 2012, ocorrida na calçada da Rua Dom Manuel, nas imediações do Fórum Central, na capital fluminense.
Na ocasião, respondendo a uma fala do analista judiciário Vílson Siqueira, o então coordenador geral do sindicato José Carlos Arruda defendeu os cursos da ESAJ como parâmetro para promover serventuários, alegando que outros órgãos também operavam promoções sob critério semelhante. O Sr. José Carlos, que já fazia parte da anterior direção do Sind-justiça, usufruía de licença sindical e, talvez por isso, não sentisse o quanto esses cursos estressam e até tumultuam a própria rotina laboral de cada pessoa que – de fato – trabalha dentro do tribunal. Ao fim da rodada de assembleias regionais da época, a direção do Sind-justiça conseguiu trocar a data-base da categoria de maio para setembro (o que o nefasto politiqueiro Sérgio Cabral, do PMDB-RJ, já havia tentado em 2007 e 2008). Assim, o sindicato cedeu à proposta da presidência do Tribunal de Justiça, que – como compensação pela mudança do marco de reajuste salarial anual – prometia dinamizar as progressões funcionais. Estas, no entanto, continuaram condicionadas aos famigerados cursinhos da ESAJ.
Independente de eventuais divergências com os indivíduos que estejam na direção sindical, cada pessoa que integra a classe trabalhadora estatutária no TJ deveria se sindicalizar e pelejar por uma verdadeira democracia no sindicato e no trabalho. Todas as servidoras e servidores do judiciário estadual deveriam valorizar o importante organismo que é o Sind-justiça: uma relevante ferramenta para a organização das lutas da categoria serventuária. Presença em assembleias, adesão a greves e protestos – buscando à união a partir da manifestação da pluralidade de opiniões – é o que pode nos afastar das alienações impostas pela Administração do Poder Judiciário.
Tentando escapar das lavagens cerebrais promovidas pelo TJ-RJ, algumas pessoas que ocupam cargos de técnico de atividade judiciária ou analista judiciário até deixam de prestar os referidos cursos da ESAJ, mesmo sabendo dos grandes prejuízos para a subida de padrão e classe (níveis na carreira funcional). Afinal, o que a ESAJ promove para desagradar tanto a categoria serventuária? Abstraindo da questão de obtenção de promoções, nos cabe perguntar: a quem servem essas aulas?


Exemplificando: um curso dado na ESAJ

No segundo semestre de 2011, foi oferecido o curso Noções Básicas da Norma ISO 9001:2008 com doze horas de duração, conferindo 24 pontos para ascenção na carreira. Pessoas lotadas em cartórios com certificação de qualidade conferida pela ISO foram impelidas a se inscreverem na turma para “se capacitarem”.
 

ISO é uma organização não-governamental fundada em 1947, em Genebra, e hoje presente em cerca de 190 países. A sua função seria promover a normatização de produtos e serviços, para que a qualidade deles fosse permanentemente melhorada.
Por extenso, a denominação dessa organização mundial é International Organization for Standardization, que geraria siglas diversas nos idiomas dos diferentes países alcançados pelos tentáculos do grupo: IOS em inglês, OIN em francês, OIP em português etc. Para evitar essa pluralidade de siglas, os fundadores decidiram adotar (uniformizadoramente em todo o mundo) o acróstico ISO, que equivale a um afixo de origem grega presente em idiomas modernos, como a própria língua portuguesa, nesta assumindo a significação de "igual" – integrando, como prefixo, as palavras: isóceles, isótopo, isométrico e outras. A ISO (como indica o vocábulo original grego) prega a padronização, tentando implementar sistemas nos quais os produtos sigam todos o mesmo processo produtivo, para todas as peças.
As normas ditadas interferem nos processos internos das empresas, moldando a conduta dos trabalhadores, que são hipocritamente designados “colaboradores” – denominação que mascara o conflito patrão-empregado, inerente ao sistema econômico capitalista. Há contínuo monitoramento do ambiente de trabalho: controle constante sobre a massa trabalhadora, estimulada a manifestar contentamento e boa-vontade com relação ao labor diário, não se eximindo, porém, de dar sugestões para o contínuo incremento da produção. A expressão chave nos textos da ISO é: “processo contínuo de melhoria do sistema de gestão da qualidade”. Segundo a ideologia do grupo, é sempre possível fazer cada vez mais, usando cada vez menos recursos. Em prol do lucro, espremem-se ao máximo os recursos, inclusive os recursos humanos – cada vez menos humanos, mais achatados pelo rolo compressor produtivista.
No curso oferecido pela ESAJ no segundo semestre de 2011, foi possível sentir a pressão da ISO logo pela indagação feita aos alunos no primeiro dia de aula. O problema não foi tanto a pergunta em si, mas a condição dada para que ela fosse respondida. O professor questionou, a cada pessoa inscrita no curso, qual era o motivo para ela estar ali. Mas antes alertou que não aceitaria como resposta que alguém dissesse ter ido lá simplesmente por ordem do chefe.
Os alunos se viram forçados, meio constrangidamente, a criar respostas inverídicas para a pergunta feita, pois a maioria só estava lá mesmo porque era obrigada. Cada resposta (falsa) era recebida pelo professor com um sorriso de aprovação e alguns elogios ao “interesse” e “entusiasmo” do estudante. Os menos convincentes, que involuntariamente deixavam transparecer certo enfado em relação ao curso, ouviam que – em breve – assistiriam a um vídeo que os ajudaria a ter uma postura mais “pró-ativa”.


Quem Mexeu no Meu Cérebro?

Durante os encontros, sempre que alguém esboçava algum grau de crítica sobre os valores apregoados, o palestrante repetia as explicações sobre as vantagens dos sistemas de gestão. Ocorre, porém, que não se tratava – na maior parte das vezes – de alguma dúvida do aluno, mas simplesmente duma discordância de opinião em relação ao que estava sendo propagado ali. Porém divergências da pessoa inscrita no curso eram sempre tratadas como incompreessão do conteúdo da aula. Nas entrelinhas, rotulava-se o aluno divergente como inapto a compreender ou então como alguém inflexível, rígido, avesso a mudar seus paradigmas. As “explicações” do instrutor se repetiam mais e mais e o estudante se sentia impelido a “concordar” com ele, para não ser visto pelos outros como um entrave ao andamento das aulas. A suposta concordância do aluno era então elogiada pelo mestre e, assim, os demais se sentiam estimulados a também aderirem àquelas ideias. Silenciados os esboços de polêmica, era hora de aprofundar a visão de mundo do curso através da utilização de recursos audiovisuais. Exibiu-se então um desenho animado com o curioso título “Quem Mexeu no Meu Queijo?”.
No curtametragem de animação, foram apresentados quatro personagens: os ratos Sniff e Scurry e os duendes Hem e Haw, todos habitantes dum mesmo labirinto. Apesar de suas ações instintivas, os roedores, a exemplo dos desenhos de Walt Disney, figuram antropomorficamente: são bípedes, usam tênis de corrida e têm o mesmo tamanho dos hominídeos. Estes, apesar de chamados de duendes, são nitidamente humanos na maneira de se vestir, andar, agir e pensar. Ratos e homenzinhos tinham em comum a necessidade de queijo, sendo este a única aspiração e razão da existência de cada personagem. Assim, todos os dias, roedores e duendes saíam pelo labirinto em busca do idolatrado queijo.

Os instintivos Sniff e Scurry saíam procurando dum corredor para outro. Se não encontravam num, logo mudavam o caminho sem parar pra pensar. Lembravam os locais pelos quais já haviam passado e logo seguiam para outra parte. Sniff se destacava pelo faro aguçado, que ajudava a achar a direção desejada; Scurry, por sua vez, era mais ligeiro. Apesar de se perderem e até darem de cara nas paredes, acabavam encontrando o caminho até o adorado queijo. Hem e Haw faziam suas buscas de maneira menos instintiva, mais racional, porém isso não lhes conferia vantagem alguma em relação aos ratos.
Após algumas buscas, finalmente os quatro encontraram, no interior do labirinto, uma divina “montanha de queijo”, num local denominado Posto C. Todos os personagens, então, passaram a, diariamente, ir logo pela manhã à mina de queijo e ficar por lá devorando seu tesouro até anoitecer. Entretanto os ratos mantiveram a rotina de acordar cedo, calçar os tênis e correr até o Posto C, portando pranchetas nas quais anotavam possíveis rotas futuras para outras minas de queijo quando fosse necessário. Enquanto isso, os humanos passaram a acordar tarde, vestir-se sem pressa, andar preguiçosamente descalços, acreditando que jamais precisariam procurar queijo noutro lugar.


A dupla de ratos – indubitavelmente mostrada no desenho como exemplo a ser seguido – chegava ao Posto C bem cedinho e, antes de se alimentar, cheirava o queijo e fazia uma vistoria na área para ver se havia ocorrido alguma mudança em relação ao dia anterior. Um dia, ao chegarem pela manhã, Sniff e Scurry descobriram que o queijo havia sumido. Não se surpreenderam. Sem tecer nenhuma teoria ou pensamento crítico acerca do fato, aceitaram a mudança da situação no posto. Não criticaram a realidade a sua volta, só resolveram simplesmente procurar queijo noutro lugar. Não raciocinaram absolutamente nada, só agiram imediata e instintivamente.
Os humanos Hem e Haw (mostrados como exemplo do que não deve ser feito) se revoltaram com a ausência de queijo no Posto C e puseram-se a reclamar. Hem passou a gritar: “Não há queijo? QUEM MEXEU NO MEU QUEIJO?”.
Ardilosamente, na historinha criada para servir de parábola às realidades do mundo do trabalho, ninguém mexeu no queijo. Este só acabou porque, sendo consumido dia a dia, teria que chegar ao fim nalgum momento. Isso torna sem sentido a queixa de Hem, pois não haveria culpados pela situação ruim pela qual os dois humanos estavam passando. Queixas, reivindicações, protestos seriam vazios nesse contexto. O desenho dá a entender que, na vida real, não devemos nos insurgir contra as mudanças que são ruins para nós, pois essas mudanças não teriam sido tramadas por ninguém: seriam só uma consequência natural dos tempos – tal como o fim do queijo de Hem. Entretanto, no mundo real, as modificações não são fruto natural do fluxo inexorável da História, elas são consequência de decisões políticas e gestões econômicas exploratórias. Claramente, o desenho animado tem o objetivo de nos convencer a aceitar calados todas as mudanças impostas pelo patronato e pelo Estado, amoldando-nos a elas.
Quem se recusa a se adaptar, a achar uma saída individual que ignore as injustiças do mundo, é comparado – pela história – ao ridículo personagem Hem. Este é mostrado como reclamão, preguiçoso, inflexível e covarde. Vendo esse filme, como será que se sentiram aqueles alunos da ESAJ que são entusiastas do incomformismo, da luta por uma realidade diferente, socialmente justa? Certamente sentiram-se comparados a Hem: pusilânime, comodista, resmungão, imaturo, fadado a morrer por sua própria teimosia.
Quem conhece bem o cinema brasileiro deve ter percebido uma profunda semelhança entre a situação real acontecida no espaço da ESAJ com uma cena (ficcional) ocorrida com o personagem Deraldo, no filme nacional O Homem que Virou Suco, de 1979.


Deraldo era serventuário?

Em 1980, O Homem que Virou Suco levou o Troféu Candango (melhor ator) do Festival de Brasília. Foi vencedor do Grande Prêmio do Festival de Moscou, um dos mais importantes do mundo, em 1981. No mesmo ano ganhou três troféus Kikito no Festival de Gramado: melhor roteiro, ator (José Dumont) e ator coadjuvante (Denoy de Oliveira). Dumont foi premiado ainda, em 1983, no Festival de Huelva, na Espanha, por sua atuação neste nosso marco do cinema.

A obra cinematográfica mostra os problemas pelos quais passa o retirante nordestino através de passagens às vezes líricas, outras dramáticas; mas também há momentos cômicos bastante interessantes. O protagonista (Deraldo, muito bem interpretado por J. Dumont), imigrante do nordeste, se vê obrigado a passar pelos mais diversos empregos. Enfrenta situações exploratórias e toda sorte de opressões. Responde a elas às vezes através da zombaria, do riso e, noutros momentos, pelo xingamento aberto, pela insubmissão aos patrões manifestada através de sua orgulhosa postura de cabra-macho nordestino, avesso aos bem comportados valores burgueses. Assim, mesmo encarando fome e privações diversas, ao fim do dia Deraldo recostava a cabeça em seu travesseiro surrado e dormia o sono dos justos, orgulhoso de sua maneira de ser: forte e insubmisso como um guerreiro do cangaço. Mas, certo dia num curso dado numa empresa, seria submetido a ver um desenho animado para “se capacitar” ao trabalho. É assim que, lá pelos 50 minutos de projeção de O Homem que Virou Suco, nos deparamos com uma das mais representativas cenas desse genial filme com roteiro e direção de João Batista de Andrade.
O personagem Deraldo – contratado para trabalhar numa obra de metrô na capital paulista – é chamado a uma sala junto com outros trabalhadores. Ali, ele se vê diante dum homem bem penteado, de óculos, trajando terno e gravata. O elegante sujeito fala da experiência que sua empresa tem em capacitar pessoas ao trabalho. Diz que a preparação dos empregados para a labuta se dará através da exibição dum “audiovisual” durante três dias. Trata-se de um desenho animado que traça a história do personagem Antônio Virgulino da Silva (desenhado como cangaceiro) ao vir trabalhar em São Paulo.
A animação mostra Virgulino se empregando numa obra, visando domar a “cobra gigante”, que é o metrô paulista. O caricato personagem do desenho rasga os cartazes que determinam “respeitar o chefe”, ameaça seus superiores hierárquicos com uma peixeira, desobedece a ordens dadas. Acaba perdendo o emprego e sendo ridicularizado pelos próprios colegas.
Após assistir a esse desenho animado, Deraldo se sente humilhado. Identifica-se com o risível personagem Antônio Virgulino da Silva que, no dizer do narrador: “tinha fama de herói, mas era um palhaço”. À noite, Deraldo mal consegue dormir: é assolado por pesadelos, nos quais se vê caracterizado como cangaceiro, pelas ruas de São Paulo, ridicularizado pelos transeuntes que o apontam e estigmatizam.

Em O Homem que Virou Suco, esse é apenas um dos sofrimentos passados pelo protagonista, uma poeta popular que se vê forçado a trabahar para o patronato, quando (na verdade) desejava mesmo se dedicar exclusivamente ao cordel. Da mesma forma que no longametragem colorido da década de 70, ocorre em nosso século 21 no Tribunal de Justiça-RJ. Neste, em virtude do excesso de atribuições, muitos servidores públicos se veem obrigados a sacrificar seus gostos, deixando de exercer dotes artísticos.
Ao longo dos 95 min do memorável filme, vemos que problemas financeiros, pressão dos vizinhos, exigência de documentos, tudo atrapalha o personagem Deraldo em sua trajetória em Sampa. Para o servidor do poder judiciário fluminense, na nossa sociedade atual, os reveses ainda não são tão dramáticos quanto os dos subempregados da capital paulista. Porém se pode dizer que, apesar da diferença de intensidade, estamos diante de opressões análogas.
Entre servidores do TJ-RJ já foram ouvidas as mais estarrecedoras histórias: pessoas que trabalham gratuitamente durante as férias para não perder determinados comissionamentos; outras que, visando se manter em função de secretário de juiz, aceitam não gozar licença por faleciemento de pessoa da família (a chamada licença nojo); servidores obrigados – por muito tempo – a passar diariamente seus medicamentos e refeições através de aparelhos de raio X dos fóruns em que trabalham, podendo sofrer consequências péssimas para sua saúde...
Como se não bastasse tudo isso, a categoria serventuária ainda se vê submetida a lavagens cerebrais como as práticadas por disciplinas ministradas na ESAJ. No curso em questão, Noções Básicas da Norma ISO 9001:2008, utilizou-se amplamente material inspirado no livro de autoajuda estadunidense “Quem Mexeu no Meu Queijo?” (Who Moved My Cheese?), publicado em 1998 pelo psicólogo Spencer Johnson. Um campeão de vendas, mas cujo conteúdo ideológico só favorece mesmo a uma minoria bilionária.


A alienação é Best-seller

O autor Spencer Johnson é um fenômeno de vendas. Tem livros traduzidos para mais de vinte idiomas, somando mais de dez milhões de exemplares vendidos pelo mundo a fora. Nascido no estado de Dakota do Sul (região centro-oeste dos EUA), Johnson esposa valores típicos do Capitalismo estadunidense.
Seu conhecimento em Psicologia é habilmente usado em Quem Mexeu no Meu Queijo?, induzindo os leitores a se sentirem obrigados a concordar com a tese central do livro. Este, não por acaso, tem um capítulo introdutório que busca desqualificar previamente qualquer crítica acerca da moral da “parábola” que será contada. No tal preâmbulo, intitulado “Uma Reunião: Chicago”, vários antigos colegas de escola conversam sobre suas trajetórias de vida profissional, concordando sobre a necessidade de aceitarem sempre as mudanças que vêm a ocorrer. Então um dos amigos, chamado Michael, fala duma historinha que seria muito boa e que ajudara vários colegas a lidarem melhor com as transformações no mundo do trabalho. Segundo Michael, quase todos em sua empresa haviam gostado da históra e teriam se beneficiado dela, porém ele acrescenta:
Quando um dos nossos executivos seniores, que estava tendo dificuldade de adaptação, disse que a história era perda de tempo, outras pessoas zombaram dele dizendo que sabiam qual personagem ele era na história – aquele que não aprendeu nada e não mudou.”
Assim, antes de a fábula começar a ser contada (no capítulo seguinte), já somos coagidos a elogiá-la, pois – se não o fizermos – seremos fatalmente comparados ao ridículo personagem Hem, “que não aprendeu nada e não mudou”. É interessante notar que o autor Spencer Johnson não insere em seu livro nenhuma crítica aos colegas que tinham zombado do “executivo senior” que não gostara da história.
Longe de apresentar alguma rejeição a práticas opressivas no ambiente de trabalho, o livro dá estímulo ao bullying ou ao assédio moral horizontal contra aqueles que seriam avessos a determinadas mudanças – logo comparados ao personagem Hem. Este, ao contrário do duende Haw, não se convence a continuar procurando queijo pelo labirinto. Hem só fica se lamentando, chorando, teimoso, sentado no Posto C, sem fazer nada em prol de si mesmo. Até recusa pedacinhos de queijo novo trazidos por Haw. Hem, comodistamente, só espera que o velho queijo resurja no mesmo lugar, como mágica. Condena-se a morrer de fome por seu próprio comodismo.
Isso não se parece com o discurso da extrema direita, que costuma qualificar os famintos como pessoas que não têm iniciativa e “empreendedorismo”? Não é dito, por fascistas, que essas pessoas passam fome por culpa delas próprias?
Quem Mexeu no Meu Queijo? propagandeia um darwinismo social, segundo o qual devemos nos adaptar individualmente ao mundo a nossa volta e deixar que os inaptos pereçam. O personagem Hem sucumbiu por sua própria covardia, a moral da história é que o mundo é dos fortes: um labirinto em que só os mais aptos sobrevivem, e onde é natural que pereçam os medíocres. Aliás, vale relembrar que uma apostila doutro curso da ESAJ já havia enaltecido a montadora japonesa Nissan por haver desenvolvido um plano de avaliação de desempenho que demitiu milhares de pessoas. Na apostila em questão, lá pelo ano 2010, escreveu-se – elogiosamente – que a avaliação de desempenho serviu ao objetivo de “expulsão da mediocridade”.
A ESAJ tem enaltecido continuamente firmas transnacionais opressoras, tidas como exemplo a ser seguido. E tem adotado material teórico que favorece visões desses grupos. Quem Mexeu no Meu Queijo? traz, em seu final uma lista de empresas em que foi adotado. Entre essas são citadas: Nestlé, Kodak, IBM e outras.
Nestlé é uma empresa suíça que obteve lucros monumentais em contratos com a Alemanha nazista. E, durante a Segunda Guerra Mundial, manteve milhares de escravos em suas linhas de produção. Segundo um relatório elaborado pelo historiador suíço Jean François Bergier, a Nestlé não só usou mão de obra forçada em sua subsidiária alemã como a matriz estava a par de tudo. Informações acerca disso podem ser vistas no artigo “Os aliados ocultos de Hitler” publicado na revista Superinteressante, escrito por Cláudia de Castro Lima e acessível no endereço – http//super.abril.com.br/historia/os-aliados-ocultos-de-hitler/. 
Kodak, IBM e outras empresas capitalistas apoiaram o monstro nazista
O referido artigo também cita a IBM, empresa que também utiliza hoje o livro de Spencer Johnson. A IBM construiu máquinas personalizadas para os nazistas. Com elas, podia-se controlar tudo, do fornecimento de petróleo aos horários dos trens para os campos de morte. Podia-se até monitorar contas bancárias de judeus vítimas do Holocausto.
Sobre a Kodak, que igualmente adota Quem Mexeu no Meu Queijo?, também há informações na revista Superinteressante. Durante a Segunda Guerra Mundial, uma filial alemã da Kodak usou trabalhadores escravos vindos dos campos de concentração. Várias outros ramos europeus da empresa fizeram alianças com o governo nazista. Wilhelm Keppler, um dos principais assessores econômicos de Hitler, tinha ligações profundas na Kodak. Quando o Nazismo começou, Keppler aconselhou à Kodak e várias outras empresas norte-americanas a demitir todos os empregado judeus em troca de benefícios.
Benefícios a todo custo. É isso que o ideário empresarial capitalista nos alimenta a buscar. Segundo tal sistema de pensamento, os mais aptos sobrevivem neste labirinto que é a sociedade. A meta é que não passemos de ratinhos em busca de queijo, andando pra lá e pra cá sem raciocínio algum. Se alguém morrer, isso seria culpa da própria pessoa que não soube se adaptar: não teve iniciativa ou coragem.
Notemos como se chama o duende que pereceu ao fim da história: Hem. O nome traz grande semelhança com o vocábulo inglês “hen”, que significa galinha. Hen é um termo extremamente pejorativo que assume o significado de covarde, semelhante a expressões portuguesas modernas “bunda-mole” ou “cocoroca”.
É isso que devemos aprender em cursos de capacitação? Enaltecer os bem sucedidos e desqualificar os demais?
Tenhamos cérebros humanos. Ousemos viver fora dos labirintos nos quais os poderosos insistem em nos encarcerar. A vida é muito mais do que zanzar por corredores vazios para deleite duma elite que busca nos seduzir com suas iscas ilusórias. Não sejamos animalizados e presos nas labirínticas relações competitivas que nos impedem de exercer a solidariedade. Esta – a solidariedade – é que dá sentido e confere valor à convivência humana. Resumir a vida a alguma conquista individual é reduzir-nos a meros ratinhos de laboratório, correndo numa rodinha giratória, atrás dum queijo que jamais se alcança.

Rafael Braga Vieira, a luta popular e os absurdos do judiciário




(por: W. B.*)

20/06/2013 ocorreu um protesto com cerca de 300 mil pessoas no Centro da cidade do Rio de Janeiro. As pautas eram as mais diversas, tais como: tarifa zero, educação e saúde públicas de qualidade etc. Neste mesmo dia, o jovem Rafael Braga Vieira foi preso na Lapa por portar desinfetante e água sanitária, que teriam, supostamente, potencial inflamável. Ele morava no bairro de Olaria, catava materiais reciclavéis e dormia na rua durante a semana para economizar o dinheiro da passagem (realidade bastante comum no Rio de Janeiro). Arrastado por policiais à Delegacia da Criança e Adolescente Vítima, sofreu agressões e em seguida foi levado à 5ª Delegacia de Polícia, onde foi assinado um boletim de ocorrência e efetivada a prisão. Tudo isso ocorreu apesar de Braga nem sequer ter participado do protesto (o que, aliás, seria até um direito dele). É nítido que a detenção só aconteceu porque Rafael é negro e pobre. No mesmo dia, ele foi encaminhado ao complexo penitenciário de Japeri.


Em 25 de junho o Ministério Público apresentou denúncia. As únicas testemunhas arroladas foram policiais. O laudo do esquadrão antibomba da Polícia Civil atestou que Vieira carregava produtos de limpeza e afirmou que “[as substâncias têm] ínfima possibilidade de funcionar como coquetel molotov”. Mesmo assim o MP sustentou que se tratava de “material incendiário” e enquadrou Vieira no inciso III do artigo 16 do Estatuto do Desarmamento, que proíbe carregar ou usar “artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”.


Ao contrário da maioria dos corruptos brasileiros, Rafael teve habeas corpus negado pela “justiça” e precisou aguardar julgamento atrás das grades. Depois, o juiz Guilherme Schilling, da 27ª Vara Criminal, o condenou a absurdos cinco anos e 10 meses de prisão por “porte de aparato incendiário ou explosivo”, concordando com a inconsistente argumentação do Ministério Público.


Isso é especialmente revoltante quando lembramos como o judiciário trata playboys como Thor Batista (burguês que atropelou e matou um trabalhador em 2012, mas acabou inocentado no ano seguinte).

Preconceito como parâmetro de julgamento

Com 26 anos de idade, Vieira já havia sido preso duas vezes por roubo, em 2006 e 2008, e cumpriu as penas completas. A magistratura, apesar de, formalmente, afirmar a igualdade perante a lei, na prática move-se pelos preconceitos sociais característicos do Capitalismo. Segundo a ideologia dominante, um negro, pobre, que vive de catar latinhas, egresso do sistema prisional, merece mesmo é continuar preso, ainda que tenha cumprido a pena completa. É como uma “guerra preventiva” contra os marginalizados pelo sistema, encarados como perigo potencial, independente de sua conduta no presente.


O sistema sob o qual vivemos nos faz assimilarmos valores burgueses e sermos levados a estigmatizar determinados tipos sociais, sem que saibamos – de fato – como são suas vidas. Os poderes executivo, legislativo e judiciário (tanto quanto o megaempresariado) são a própria corporificação desses valores. Não estão, portanto, dotados de isenção para julgar alguém do povo.


Rafael Braga aprendeu a ler aos 13 anos. Estudou até a 5ª série. Não veio a ingressar em nenhum movimento revolucionário ou se vincular a organizações radicais, mas ainda assim não deixou de ser considerado membro duma classe social perigosa. Segundo matéria de German Aranda publicada no sítio eletrônico da revista Carta Capital em 18/12/14, Vieira não demonstra vínculo com nenhuma corrente ideológica, tampouco se entende como vítima dum sistema político-econômico perverso, o que torna mais verossímil sua versão dos fatos ocorridos no dia de sua prisão. Que motivação ele teria para fabricar coquetel molotov?


Em entrevista à Carta Capital, o rapaz falou dos primeiros dias fora de casa em Aracaju, cidade sergipana onde foi criado: “Aos 11 anos comecei a andar na rua. Engraxava sapatos, perambulava, voltava para casa. Gostava de ficar na rua. Ia para a praia, ganhava uma pizza, voltava cheio de moedas. Curtia a vida assim.”


Quando a reportagem lhe perguntou sobre a falta de dentes, ele sorriu. Recordou a péssima travessura de, ainda pequeno, provocar um cavalo bem ao alcance de suas patas traseiras. Levou um coice. “Machuquei minha cara e perdi os dentes de leite. Os outros nasceram acavalados, estragou o do meio. Aproveitei e fui arrancando.”


Longe da realidade dos vultosos subsídios e inúmeros privilégios da magistratura, Rafael tem apenas um sonho: “Só quero ajudar a minha mãe e os meus irmãos”.


A ditadura agora com roupagem democrática

O Instituto de Defensores dos Direitos Humanos (DDH), que defende Vieira juridicamente, entrou com uma apelação a favor dele. O recurso foi julgado pela 3ª Câmara Criminal em 26 de agosto de 2014. Os desembargadores mantiveram a injusta condenação, apenas reduzindo a pena em dois meses, por causa do bom comportamento do preso.


Só em 08/10/14 foi garantido ao jovem o direito a trabalhar fora da prisão e voltar à noite para dormir no presídio. Tal regime semiaberto só foi concedido mais de um ano após o encarceramento e, mesmo assim, acabou revogado em 2015.


A situação de Rafael Braga Vieira é emblemática em relação ao caráter ditatorial do Estado brasileiro, que não admite críticas e age de maneira truculenta contra quem questiona o poder. Podemos ver isso num caso envolvendo o advogado Thiago Melo, do Instituto de Defensores dos Direitos Humanos. Ele havia postado em sua página na rede social Facebook uma foto de Braga em frente a um muro pichado na Casa do Albergado Francisco Spargoli Rocha, em Niterói (RJ), onde o rapaz cumpre pena. Uma frase acompanhava a imagem: “Você só olha da esquerda para a direita, o Estado te esmaga de cima para baixo”. A inscrição nitidamente critica as pessoas preocupadas com a pretensa polarização na política parlamentar, mas que não têm olhos para ver a opressão cotidiana que o povo sofre tanto por parte da direita, quanto por parte de uma pretensa “esquerda” institucional.

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A postagem da foto de Rafael ao lado da frase foi interpretada pela diretora do Instituto Penal como uma infração ao artigo 59 do regulamento da instituição, que considera uma falta “veicular de má-fé, por meio escrito ou oral, crítica infundada à Administração Prisional”. O “crime” custou dez dias no isolamento ao cliente do defensor. Isso mesmo: apesar de a Constituição Federal de 1988, em vigor, garantir formalmente a liberdade de expressão aos indivíduos, Braga foi punido por um “delito de opinião”, que oficialmente não existiria em nossa dita democracia. Rafael B. Vieira foi encarcerado numa cela de 2 metros quadrados de onde saía duas horas por semana para tomar sol, porque criticou o Estado. Essa tortura perdurou por 10 dias. Qualquer semelhança com a ditadura militar brasileira (1964-1985) não é mera coincidência. Naquela época também se puniam os presos políticos, que eram mais violentamente torturados quando seus companheiros soltos faziam alguma ação contra a opressão governamental. Preso político: é exatamente a atual condição de Rafael Braga Vieira, não há como negar. Mas, como dito antes, a perseguição política a Rafael não se dá em razão de alguma doutrina ou ideário que ele adote, mas simplesmente por sua posição na atual sociedade de classes.


Criminalização e extermínio dos pobres

O próprio Conselho Nacional de Justiça (conquanto burguês e corporativista) admitiu em diagnóstico proferido em 2014: 53% dos presos são negros, não tiveram acesso à educação formal e pertencem à população empobrecida. Além do sistemático aprisionamento dos pobres, o Estado ainda comete um crime ainda mais perverso: o genocídio.


O povo é desalojado de suas casas a pretexto de obras para megaeventos que só servem para enriquecer ainda mais a elite, como foi o caso da Copa do Mundo de 2014, que levou quase 250 mil pessoas ao despejo. O extermínio da população camponesa ou indígena – perpetrado pelo latifúndio e pelo agronegócio, com conivência do Estado – é uma prática corriqueira. Através do sucateamento do ensino público, a povo é privado do acesso à educação. O fechamento de rádios livres pela Polícia Federal faz com que pobres fiquem reféns das informações deturpadas da mídia elitista. Como se não bastasse tudo isso, o poder constituído ainda conta com mais uma arma genocida: os chamados “autos de resistência”.


Auto de resistência é a classificação da morte causada por ação policial legítima. Tal categoria foi criada durante a ditadura militar para justificar que matanças perpetradas por policiais não gerassem processos criminais por homicídio. Na prática os autos de resistência são dados quase sempre para operações em favelas – lá o Estado frequentemente considera as mortes de moradores como “legítimas”. Em regra, a PM executa, o Ministério Público assina o arquivamento e o Tribunal de Justiça diz amém. Só no Rio de Janeiro, entre 2001 e 2011, foram registrados cerca de 10 mil autos desses. Se Rafael Braga Vieira tivesse sido abordado pelos policiais dentro duma favela, talvez tivesse vindo a engrossar ainda mais essa assustadora estatística.


O Judiciário é cúmplice desses absurdos todos através de decisões rigorosas para com os pobres e bastante condescendentes com os agentes da repressão e sobretudo com a classe rica – da qual a magistaratura é parte, aliás. 

A elite magistrada 

A situação privilegiada de nossas cortes julgadoras pode ser atestada em muitos exemplos. Vale citar alguns.


Em 2013 o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro elaborou um projeto de lei para conceder um escandaloso auxílio-moradia a todos os seus magistrados. Encaminhado no dia 12 de dezembro daquele ano, o projeto foi aprovado pela ALERJ (Assembleia Legislativa) no dia 18 e sancionado pelo então governador Sérgio Cabral no dia 23, tendo recebido um descabido “pedido de urgência” visando sua implementação a toque de caixa, para evitar questionamentos do povo sobre esse “auxílio” vergonhoso (que somava cerca de R$5.000,00 – cinco mil reais – mensais para cada juiz ou desembargador, alguns dos quais já recebiam montantes que chegavam a ultrapassar 90 mil reais por mês).


Em dezembro de 2014 o Tribunal de Justiça de Goiás começou a pagar um auxílio-moradia a magistrados com mais de cinco anos de carreira. O benefício começou a ser creditado dali em diante no valor mensal de R$4.377,73, fora os retroativos a contar de 2008. Ainda em 2014, o Órgão Especial do TJ-MG deu a todos os juízes do estado o direito de receber mensalmente entre R$2.279,73 e R$2.659,96 para custear despesas médicas, livre da apresentação de comprovante dos gastos. Em fevereiro de 2015 o pleno do Tribunal de Justiça do Mato Grosso aprovou o auxílio-transporte para os magistrados, que já recebiam auxílio-alimentação de R$505, auxílio-moradia de R$4,3 mil e auxílio-livro estimado em R$3,3 mil.

Judiciário
Os poderosos se unem

Pra garantir para si tantos privilégios, a magistratura precisa da conivência do poder legislativo (que aprova os projetos de lei) e do poder executivo (que os sanciona ou veta, através da figura de seu chefe maior). Por outro lado os políticos – tanto os que ocupam cargos eletivos proporcionais, quanto majoritários – obtêm verbas de campanha da alta burguesia e a ela ficam comprometidos. Assim, o empresariado coage o político a agir em prol do grande capital. O político, por sua vez, pressiona o judiciário para não proferir decisões contrárias aos interesses de seus patrocinadores de campanha eleitoral. Em troca, as casas legislativas aprovam e os chefes do executivo sancionam os projetos de lei que concedem privilégios aos togados. E tome auxílio-transporte, prêmio por produtividade, indenização de transporte de bagagem e mobiliário, auxílio-moradia, auxílio-creche, auxílio-educação, auxílio-funeral, auxílio plano de saúde, ajuda de custo para capacitação, retribuição por acúmulo de funções…


A gratidão da magistratura, como sua lista de privilégios, também é interminável. Isso pode ser notado no tipo de decisão normalmente tomada nos tribunais do país. Vejamos algumas delas a seguir.


Decidindo em prol dos ricos – alguns exemplos

Julho/2011, o juiz federal Luiz Clemente Pereira Filho da 3ª Vara de Niterói, concede liminar ao reitor da Universidade Federal Fluminense, obrigando o sindicato de servidores da UFF a divulgar, em cartazes e na internete, a decisão que coíbe atividades de mobilização e convencimento da greve dos servidores.


Novembro/2011, a juíza Márcia Loureiro (6ª Vara Cível de São José-SP) determina a desocupação da comunidade Pinheirinho, o que vem a provocar um massacre e favorecer o megaespeculador Naji Nahas.

Dezembro/2011, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho João Oreste Dalazen ordena que, no mínimo, 80% dos aeronautas e aeroviários trabalhem durante a greve, o que, na prática, equivale a proibi-la.


Abril/2013, a juíza Simone Chevrand da 25ª Vara Cível do TJ-RJ estabelece que o estudante de 18 anos Raphael Costa pague cinco milhões de reais, caso o protesto agendado por ele contra a CCR-Barcas ameace o “direito de ir e vir” de funcionários e usuários do sistema. Curiosamente não considera o aumento de 60% na tarifa das barcas, naquele ano, uma ameaça ao direito de “ir e vir” do Rio para Niterói…


Frente a esse quadro, o que fazer?

Alternativas para o povo

O poder econômico em simbiose com os poderes executivo, legislativo e judiciário constitui um adversário realmente forte, mas não invencível. Se eles tem a arma do dinheiro, o povo tem a força real. Que força é essa que temos? É uma força gigantesca, latente, decorrente de nossa superioridade numérica, e que só se torna efetiva a partir de nossa união.


A união entre os diversos setores explorados é essencial para que o poder popular se torne efetivo. A força coletiva não é um simples somatório das forças individuais. Se 200 pessoas conseguem erguer uma torre em um dia, não se pode afirmar que uma pessoa conseguiria erguer a mesma torre em 200 dias. O individualismo e o isolamento dos diversos setores do povo são empecílios ao sucesso das lutas populares.

Infelizmente, alguns órgãos de classe vem caindo num forte corporativismo e se desvinculado das lutas comuns da classe trabalhadora. É o caso do Sind-justiça-RJ (Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro). No IV congresso da entidade, ocorrido entre os dias 30 de agosto e 1º de setembro de 2013, um dos coordenadores gerais chegou a afirmar categoricamente: “a gente não tem que se unir com professor, com sem-teto”.


Pior que a simples fala do coordenador no congresso foi a implementação real duma política corporativista e de isolamento dos servidores públicos do judiciário fluminense. Esse isolamento é um dos fatores que tem feito o serventuário ser encarado como privilegiado por grande parte dos trabalhadores do estado do Rio. Os servidores do judiciário tem sido vistos, por muitas pessoas, como cúmplices ou beneficiários de privilégios que na verdade são da magistratura, privilégios esses que – inclusive – dilapidam os cofres públicos e atrapalham a obtenção do que é direito do servidor.


A revista Fala Sind-justiça de março-abril/2014 trouxe na capa a frase: “Somos todos trabalhadores do judiciário”, colocando no mesmo barco o trabalhador (servidor) e o agente de poder (magistrado). Como as pessoas que não trabalham no TJ podem entender a diferença entre essas duas classes antagônicas se a própria direção sindical desinforma?


Ao mesmo tempo que busca se comparar à “dignidade” da magistratura, a atual direção do Sind-justiça tem realmente sido coerente com sua posição no congresso de 2013 em não se unir com outros setores da classe trabalhadora. Vê-se que nunca houve, por exemplo, referência à prisão de Rafael Braga nos escritos do sindicato. Isso salta aos olhos ainda mais por se tratar de uma categoria que trata cotidianamente de questões jurídicas e tem contato direto com casos como este. Até sindicatos menos próximos da realidade jurídica tem se manifestado, como é o caso do Sindiscope (dos funcionários do Colégio Pedro II), que faz campanha aberta em favor de Rafael Braga.


Mas como pensar que a atual direção do Sind-justiça poderia se mobilizar em favor de Rafael se não chega a fazer mobilização alguma em favor da própria categoria dos servidores do judiciário? Em 2015, por exemplo, não existiu nenhuma campanha salarial. A Administração do TJ-RJ deixou claro (em visita aos cartórios precariamente instalados na Praça XI) que não aceitaria carros de som ou agitações acerca do reajuste anual dos serventuários. A direção sindical do momento já estava mesmo apostando apenas em “negociações” sem nenhuma pressão por parte dos trabalhadores, pseudonegociações que – na verdade – merecem um nome mais preciso: negociatas.


Um antigo e justíssimo pleito dos serventuários, a transformação do auxílio-creche em auxílio-educação, só foi obtido através dum conchavo, uma vergonhosa negociata entre a direção do Sind-justiça e a administração do TJ. Foi posto o auxílio-educação do servidor (especialmente necessário em virtude da baixa remuneração deste) no mesmo projeto de lei que previa mais um absurdo privilégio da magistratura (um auxílio-educação para juízes, que já recebem dezenas de milhares de reais por mês, fora as infinidades de acréscimos). Assim a direção do Sind-justiça apoiou explicitamente o privilégio dos juízes e até pediu silêncio sobre ele nas redes sociais, “para não chamar a atenção da opinião pública”. A única postura ética seria pelejar verdadeiramente pelo auxílio-educação do servidor (democraticamente junto com o servidor), e não enfiá-lo num projeto de lei que institui mais um inaceitável privilégio à magistratura, sem sequer recorrer a assembleias sindicais para decidir o que fazer e pelo que lutar.


A atual direção do Sind-justiça escolheu um caminho: o caminho da subserviência. No discurso, muitas vezes parecem combativos, mas a prática é nitidamente submissa ao poder. Essa diferença entre discurso e prática é uma hipocrisia que, coincidentemente, também é hábito da administração do TJ-RJ: vide os recentes “Desenforcamento de Tiradentes” e baile charme promovidos pelo Tribunal.


Desenforcamentos ou Reenforcamentos?

O TJ-RJ promoveu, na tarde do sábado 29/08/15, um evento chamado “A Justiça é o Charme”, com bastante música negra. A grande contradição é o Tribunal promover esses eventos e, ao mesmo tempo, sempre proferir decisões contrárias aos moradores de favelas e ocupações, aos pobres e negros (mais uma vez lembremos Rafael Braga Vieira). O baile foi promovido numa parceria com a Prefeitura do Rio de Janeiro, a mesma que reprime movimentos grevistas de professores e garis, além oprimir moradores de comunidades populares como a Vila Autódromo.


A representação intitulada “Desenforcamento de Tiradentes”, encenada na tarde de 21 de abril de 2015 no Salão Histórico do 1º Tribunal do Júri no Antigo Palácio da Justiça, simulou um rejulgamento atual de Joaquim José da Silva Xavier (que foi condenado por crime de lesa-majestade em 1792). Mas as “majestades” atuais têm, de fato, inocentado os tiradentes modernos? Tiradentes não foi um deus ou um santo (por mais que tentem retratá-lo à semelhança de Jesus Cristo): foi um ser humano com falhas e méritos. E seu grande mérito foi justamente se voltar contra à opressão governamental. Mas hoje quem se insurge contra a opressão é repreendido pelo TJ, que sequer vê com bons olhos quem queira pôr carro de som na rua para iniciar uma campanha salarial.


Muitos tiradentes modernos têm sido executados sob o manto dos “autos de resistência”, outros estão atrás das grades como Rafael Braga Vieira. Não há como deixar de relacionar os prisões ocorridas no século XVIII, com a do jovem Rafael, que, ao ser detido, foi algemado pelos tornozelos, tal como se fazia com os escravos. Não se pode mudar o passado e o triste destino de Joaquim José da Silva Xavier, mas pode-se – também em respeito à sua memória – deixar as demagogias de lado e agir contra as injustiças de hoje.

Algemado pelos tornozelos

FONTES:
O Drama de Rafael Braga”, matéria de German Aranda publicada 18/12/14 no sítio de Carta Capital: www.cartacapital.com.br/revista/830/o-bode-na-cela-5910.html;
Justiça mantém prisão de morador de rua por Pinho Sol”, matéria de 26/08/2014 da Redação da revista Carta Capital: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/justica-decide-manter-prisao-de-morador-de-rua-que-carregava-pinho-sol-e-agua-sanitaria-4961.html;
Rafael Braga Vieira: dois anos de prisão e de injustiça”, de Rose Barboza e Viviane Rezende, no jornal O Techeiro nº 232, junho/2015 – http://www.rederua.org.br/assets/232.pdf
Mordomias sem Controle”, de Lilian Primi, na revista Caros Amigos nº 220, julho/2015.

(*W. B. é técnico de atividade judiciária do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e associado do CESTRAJU - Centro Socialista de Trabs. do Judiciário)

NOTA: Após os eventos narrados neste texto, Rafael foi posto em regime aberto em 1º de dezenbro de 2015. Em  12/01/2016 saiu de casa para comprar pão de manhã, usando bermuda e tendo aparente a tornozeleira eletrônica que monitorava sua localização. Pronto: foi novamente abordado por policiais que forjaram flagrante com drogas e um rojão. Foi preso na hora, teve habeas corpus negado, sendo acusado de tráfico e associação para o tráfico, apesar de preso sozinho (!). Após muitos recursos, conseguiu reverter a condenação por associação para o tráfico. Mas a condenação por tráfico de drogas foi mantida, apesar das contradições nos depoimentos dos policiais e da ausência de testemunhas que confirmassem as versões da polícia. Só muito mais tarde saiu de trás das grades para cumprir pena em prisão domiciliar, visto que contraiu tuberculose na penitenciária. Segue a luta para que se Rafael Braga se desvencilhe de vez das garras dessa "justiça" kafkiana.