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segunda-feira, 16 de março de 2020

Rafael Braga Vieira, a luta popular e os absurdos do judiciário




(por: W. B.*)

20/06/2013 ocorreu um protesto com cerca de 300 mil pessoas no Centro da cidade do Rio de Janeiro. As pautas eram as mais diversas, tais como: tarifa zero, educação e saúde públicas de qualidade etc. Neste mesmo dia, o jovem Rafael Braga Vieira foi preso na Lapa por portar desinfetante e água sanitária, que teriam, supostamente, potencial inflamável. Ele morava no bairro de Olaria, catava materiais reciclavéis e dormia na rua durante a semana para economizar o dinheiro da passagem (realidade bastante comum no Rio de Janeiro). Arrastado por policiais à Delegacia da Criança e Adolescente Vítima, sofreu agressões e em seguida foi levado à 5ª Delegacia de Polícia, onde foi assinado um boletim de ocorrência e efetivada a prisão. Tudo isso ocorreu apesar de Braga nem sequer ter participado do protesto (o que, aliás, seria até um direito dele). É nítido que a detenção só aconteceu porque Rafael é negro e pobre. No mesmo dia, ele foi encaminhado ao complexo penitenciário de Japeri.


Em 25 de junho o Ministério Público apresentou denúncia. As únicas testemunhas arroladas foram policiais. O laudo do esquadrão antibomba da Polícia Civil atestou que Vieira carregava produtos de limpeza e afirmou que “[as substâncias têm] ínfima possibilidade de funcionar como coquetel molotov”. Mesmo assim o MP sustentou que se tratava de “material incendiário” e enquadrou Vieira no inciso III do artigo 16 do Estatuto do Desarmamento, que proíbe carregar ou usar “artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”.


Ao contrário da maioria dos corruptos brasileiros, Rafael teve habeas corpus negado pela “justiça” e precisou aguardar julgamento atrás das grades. Depois, o juiz Guilherme Schilling, da 27ª Vara Criminal, o condenou a absurdos cinco anos e 10 meses de prisão por “porte de aparato incendiário ou explosivo”, concordando com a inconsistente argumentação do Ministério Público.


Isso é especialmente revoltante quando lembramos como o judiciário trata playboys como Thor Batista (burguês que atropelou e matou um trabalhador em 2012, mas acabou inocentado no ano seguinte).

Preconceito como parâmetro de julgamento

Com 26 anos de idade, Vieira já havia sido preso duas vezes por roubo, em 2006 e 2008, e cumpriu as penas completas. A magistratura, apesar de, formalmente, afirmar a igualdade perante a lei, na prática move-se pelos preconceitos sociais característicos do Capitalismo. Segundo a ideologia dominante, um negro, pobre, que vive de catar latinhas, egresso do sistema prisional, merece mesmo é continuar preso, ainda que tenha cumprido a pena completa. É como uma “guerra preventiva” contra os marginalizados pelo sistema, encarados como perigo potencial, independente de sua conduta no presente.


O sistema sob o qual vivemos nos faz assimilarmos valores burgueses e sermos levados a estigmatizar determinados tipos sociais, sem que saibamos – de fato – como são suas vidas. Os poderes executivo, legislativo e judiciário (tanto quanto o megaempresariado) são a própria corporificação desses valores. Não estão, portanto, dotados de isenção para julgar alguém do povo.


Rafael Braga aprendeu a ler aos 13 anos. Estudou até a 5ª série. Não veio a ingressar em nenhum movimento revolucionário ou se vincular a organizações radicais, mas ainda assim não deixou de ser considerado membro duma classe social perigosa. Segundo matéria de German Aranda publicada no sítio eletrônico da revista Carta Capital em 18/12/14, Vieira não demonstra vínculo com nenhuma corrente ideológica, tampouco se entende como vítima dum sistema político-econômico perverso, o que torna mais verossímil sua versão dos fatos ocorridos no dia de sua prisão. Que motivação ele teria para fabricar coquetel molotov?


Em entrevista à Carta Capital, o rapaz falou dos primeiros dias fora de casa em Aracaju, cidade sergipana onde foi criado: “Aos 11 anos comecei a andar na rua. Engraxava sapatos, perambulava, voltava para casa. Gostava de ficar na rua. Ia para a praia, ganhava uma pizza, voltava cheio de moedas. Curtia a vida assim.”


Quando a reportagem lhe perguntou sobre a falta de dentes, ele sorriu. Recordou a péssima travessura de, ainda pequeno, provocar um cavalo bem ao alcance de suas patas traseiras. Levou um coice. “Machuquei minha cara e perdi os dentes de leite. Os outros nasceram acavalados, estragou o do meio. Aproveitei e fui arrancando.”


Longe da realidade dos vultosos subsídios e inúmeros privilégios da magistratura, Rafael tem apenas um sonho: “Só quero ajudar a minha mãe e os meus irmãos”.


A ditadura agora com roupagem democrática

O Instituto de Defensores dos Direitos Humanos (DDH), que defende Vieira juridicamente, entrou com uma apelação a favor dele. O recurso foi julgado pela 3ª Câmara Criminal em 26 de agosto de 2014. Os desembargadores mantiveram a injusta condenação, apenas reduzindo a pena em dois meses, por causa do bom comportamento do preso.


Só em 08/10/14 foi garantido ao jovem o direito a trabalhar fora da prisão e voltar à noite para dormir no presídio. Tal regime semiaberto só foi concedido mais de um ano após o encarceramento e, mesmo assim, acabou revogado em 2015.


A situação de Rafael Braga Vieira é emblemática em relação ao caráter ditatorial do Estado brasileiro, que não admite críticas e age de maneira truculenta contra quem questiona o poder. Podemos ver isso num caso envolvendo o advogado Thiago Melo, do Instituto de Defensores dos Direitos Humanos. Ele havia postado em sua página na rede social Facebook uma foto de Braga em frente a um muro pichado na Casa do Albergado Francisco Spargoli Rocha, em Niterói (RJ), onde o rapaz cumpre pena. Uma frase acompanhava a imagem: “Você só olha da esquerda para a direita, o Estado te esmaga de cima para baixo”. A inscrição nitidamente critica as pessoas preocupadas com a pretensa polarização na política parlamentar, mas que não têm olhos para ver a opressão cotidiana que o povo sofre tanto por parte da direita, quanto por parte de uma pretensa “esquerda” institucional.

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A postagem da foto de Rafael ao lado da frase foi interpretada pela diretora do Instituto Penal como uma infração ao artigo 59 do regulamento da instituição, que considera uma falta “veicular de má-fé, por meio escrito ou oral, crítica infundada à Administração Prisional”. O “crime” custou dez dias no isolamento ao cliente do defensor. Isso mesmo: apesar de a Constituição Federal de 1988, em vigor, garantir formalmente a liberdade de expressão aos indivíduos, Braga foi punido por um “delito de opinião”, que oficialmente não existiria em nossa dita democracia. Rafael B. Vieira foi encarcerado numa cela de 2 metros quadrados de onde saía duas horas por semana para tomar sol, porque criticou o Estado. Essa tortura perdurou por 10 dias. Qualquer semelhança com a ditadura militar brasileira (1964-1985) não é mera coincidência. Naquela época também se puniam os presos políticos, que eram mais violentamente torturados quando seus companheiros soltos faziam alguma ação contra a opressão governamental. Preso político: é exatamente a atual condição de Rafael Braga Vieira, não há como negar. Mas, como dito antes, a perseguição política a Rafael não se dá em razão de alguma doutrina ou ideário que ele adote, mas simplesmente por sua posição na atual sociedade de classes.


Criminalização e extermínio dos pobres

O próprio Conselho Nacional de Justiça (conquanto burguês e corporativista) admitiu em diagnóstico proferido em 2014: 53% dos presos são negros, não tiveram acesso à educação formal e pertencem à população empobrecida. Além do sistemático aprisionamento dos pobres, o Estado ainda comete um crime ainda mais perverso: o genocídio.


O povo é desalojado de suas casas a pretexto de obras para megaeventos que só servem para enriquecer ainda mais a elite, como foi o caso da Copa do Mundo de 2014, que levou quase 250 mil pessoas ao despejo. O extermínio da população camponesa ou indígena – perpetrado pelo latifúndio e pelo agronegócio, com conivência do Estado – é uma prática corriqueira. Através do sucateamento do ensino público, a povo é privado do acesso à educação. O fechamento de rádios livres pela Polícia Federal faz com que pobres fiquem reféns das informações deturpadas da mídia elitista. Como se não bastasse tudo isso, o poder constituído ainda conta com mais uma arma genocida: os chamados “autos de resistência”.


Auto de resistência é a classificação da morte causada por ação policial legítima. Tal categoria foi criada durante a ditadura militar para justificar que matanças perpetradas por policiais não gerassem processos criminais por homicídio. Na prática os autos de resistência são dados quase sempre para operações em favelas – lá o Estado frequentemente considera as mortes de moradores como “legítimas”. Em regra, a PM executa, o Ministério Público assina o arquivamento e o Tribunal de Justiça diz amém. Só no Rio de Janeiro, entre 2001 e 2011, foram registrados cerca de 10 mil autos desses. Se Rafael Braga Vieira tivesse sido abordado pelos policiais dentro duma favela, talvez tivesse vindo a engrossar ainda mais essa assustadora estatística.


O Judiciário é cúmplice desses absurdos todos através de decisões rigorosas para com os pobres e bastante condescendentes com os agentes da repressão e sobretudo com a classe rica – da qual a magistaratura é parte, aliás. 

A elite magistrada 

A situação privilegiada de nossas cortes julgadoras pode ser atestada em muitos exemplos. Vale citar alguns.


Em 2013 o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro elaborou um projeto de lei para conceder um escandaloso auxílio-moradia a todos os seus magistrados. Encaminhado no dia 12 de dezembro daquele ano, o projeto foi aprovado pela ALERJ (Assembleia Legislativa) no dia 18 e sancionado pelo então governador Sérgio Cabral no dia 23, tendo recebido um descabido “pedido de urgência” visando sua implementação a toque de caixa, para evitar questionamentos do povo sobre esse “auxílio” vergonhoso (que somava cerca de R$5.000,00 – cinco mil reais – mensais para cada juiz ou desembargador, alguns dos quais já recebiam montantes que chegavam a ultrapassar 90 mil reais por mês).


Em dezembro de 2014 o Tribunal de Justiça de Goiás começou a pagar um auxílio-moradia a magistrados com mais de cinco anos de carreira. O benefício começou a ser creditado dali em diante no valor mensal de R$4.377,73, fora os retroativos a contar de 2008. Ainda em 2014, o Órgão Especial do TJ-MG deu a todos os juízes do estado o direito de receber mensalmente entre R$2.279,73 e R$2.659,96 para custear despesas médicas, livre da apresentação de comprovante dos gastos. Em fevereiro de 2015 o pleno do Tribunal de Justiça do Mato Grosso aprovou o auxílio-transporte para os magistrados, que já recebiam auxílio-alimentação de R$505, auxílio-moradia de R$4,3 mil e auxílio-livro estimado em R$3,3 mil.

Judiciário
Os poderosos se unem

Pra garantir para si tantos privilégios, a magistratura precisa da conivência do poder legislativo (que aprova os projetos de lei) e do poder executivo (que os sanciona ou veta, através da figura de seu chefe maior). Por outro lado os políticos – tanto os que ocupam cargos eletivos proporcionais, quanto majoritários – obtêm verbas de campanha da alta burguesia e a ela ficam comprometidos. Assim, o empresariado coage o político a agir em prol do grande capital. O político, por sua vez, pressiona o judiciário para não proferir decisões contrárias aos interesses de seus patrocinadores de campanha eleitoral. Em troca, as casas legislativas aprovam e os chefes do executivo sancionam os projetos de lei que concedem privilégios aos togados. E tome auxílio-transporte, prêmio por produtividade, indenização de transporte de bagagem e mobiliário, auxílio-moradia, auxílio-creche, auxílio-educação, auxílio-funeral, auxílio plano de saúde, ajuda de custo para capacitação, retribuição por acúmulo de funções…


A gratidão da magistratura, como sua lista de privilégios, também é interminável. Isso pode ser notado no tipo de decisão normalmente tomada nos tribunais do país. Vejamos algumas delas a seguir.


Decidindo em prol dos ricos – alguns exemplos

Julho/2011, o juiz federal Luiz Clemente Pereira Filho da 3ª Vara de Niterói, concede liminar ao reitor da Universidade Federal Fluminense, obrigando o sindicato de servidores da UFF a divulgar, em cartazes e na internete, a decisão que coíbe atividades de mobilização e convencimento da greve dos servidores.


Novembro/2011, a juíza Márcia Loureiro (6ª Vara Cível de São José-SP) determina a desocupação da comunidade Pinheirinho, o que vem a provocar um massacre e favorecer o megaespeculador Naji Nahas.

Dezembro/2011, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho João Oreste Dalazen ordena que, no mínimo, 80% dos aeronautas e aeroviários trabalhem durante a greve, o que, na prática, equivale a proibi-la.


Abril/2013, a juíza Simone Chevrand da 25ª Vara Cível do TJ-RJ estabelece que o estudante de 18 anos Raphael Costa pague cinco milhões de reais, caso o protesto agendado por ele contra a CCR-Barcas ameace o “direito de ir e vir” de funcionários e usuários do sistema. Curiosamente não considera o aumento de 60% na tarifa das barcas, naquele ano, uma ameaça ao direito de “ir e vir” do Rio para Niterói…


Frente a esse quadro, o que fazer?

Alternativas para o povo

O poder econômico em simbiose com os poderes executivo, legislativo e judiciário constitui um adversário realmente forte, mas não invencível. Se eles tem a arma do dinheiro, o povo tem a força real. Que força é essa que temos? É uma força gigantesca, latente, decorrente de nossa superioridade numérica, e que só se torna efetiva a partir de nossa união.


A união entre os diversos setores explorados é essencial para que o poder popular se torne efetivo. A força coletiva não é um simples somatório das forças individuais. Se 200 pessoas conseguem erguer uma torre em um dia, não se pode afirmar que uma pessoa conseguiria erguer a mesma torre em 200 dias. O individualismo e o isolamento dos diversos setores do povo são empecílios ao sucesso das lutas populares.

Infelizmente, alguns órgãos de classe vem caindo num forte corporativismo e se desvinculado das lutas comuns da classe trabalhadora. É o caso do Sind-justiça-RJ (Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro). No IV congresso da entidade, ocorrido entre os dias 30 de agosto e 1º de setembro de 2013, um dos coordenadores gerais chegou a afirmar categoricamente: “a gente não tem que se unir com professor, com sem-teto”.


Pior que a simples fala do coordenador no congresso foi a implementação real duma política corporativista e de isolamento dos servidores públicos do judiciário fluminense. Esse isolamento é um dos fatores que tem feito o serventuário ser encarado como privilegiado por grande parte dos trabalhadores do estado do Rio. Os servidores do judiciário tem sido vistos, por muitas pessoas, como cúmplices ou beneficiários de privilégios que na verdade são da magistratura, privilégios esses que – inclusive – dilapidam os cofres públicos e atrapalham a obtenção do que é direito do servidor.


A revista Fala Sind-justiça de março-abril/2014 trouxe na capa a frase: “Somos todos trabalhadores do judiciário”, colocando no mesmo barco o trabalhador (servidor) e o agente de poder (magistrado). Como as pessoas que não trabalham no TJ podem entender a diferença entre essas duas classes antagônicas se a própria direção sindical desinforma?


Ao mesmo tempo que busca se comparar à “dignidade” da magistratura, a atual direção do Sind-justiça tem realmente sido coerente com sua posição no congresso de 2013 em não se unir com outros setores da classe trabalhadora. Vê-se que nunca houve, por exemplo, referência à prisão de Rafael Braga nos escritos do sindicato. Isso salta aos olhos ainda mais por se tratar de uma categoria que trata cotidianamente de questões jurídicas e tem contato direto com casos como este. Até sindicatos menos próximos da realidade jurídica tem se manifestado, como é o caso do Sindiscope (dos funcionários do Colégio Pedro II), que faz campanha aberta em favor de Rafael Braga.


Mas como pensar que a atual direção do Sind-justiça poderia se mobilizar em favor de Rafael se não chega a fazer mobilização alguma em favor da própria categoria dos servidores do judiciário? Em 2015, por exemplo, não existiu nenhuma campanha salarial. A Administração do TJ-RJ deixou claro (em visita aos cartórios precariamente instalados na Praça XI) que não aceitaria carros de som ou agitações acerca do reajuste anual dos serventuários. A direção sindical do momento já estava mesmo apostando apenas em “negociações” sem nenhuma pressão por parte dos trabalhadores, pseudonegociações que – na verdade – merecem um nome mais preciso: negociatas.


Um antigo e justíssimo pleito dos serventuários, a transformação do auxílio-creche em auxílio-educação, só foi obtido através dum conchavo, uma vergonhosa negociata entre a direção do Sind-justiça e a administração do TJ. Foi posto o auxílio-educação do servidor (especialmente necessário em virtude da baixa remuneração deste) no mesmo projeto de lei que previa mais um absurdo privilégio da magistratura (um auxílio-educação para juízes, que já recebem dezenas de milhares de reais por mês, fora as infinidades de acréscimos). Assim a direção do Sind-justiça apoiou explicitamente o privilégio dos juízes e até pediu silêncio sobre ele nas redes sociais, “para não chamar a atenção da opinião pública”. A única postura ética seria pelejar verdadeiramente pelo auxílio-educação do servidor (democraticamente junto com o servidor), e não enfiá-lo num projeto de lei que institui mais um inaceitável privilégio à magistratura, sem sequer recorrer a assembleias sindicais para decidir o que fazer e pelo que lutar.


A atual direção do Sind-justiça escolheu um caminho: o caminho da subserviência. No discurso, muitas vezes parecem combativos, mas a prática é nitidamente submissa ao poder. Essa diferença entre discurso e prática é uma hipocrisia que, coincidentemente, também é hábito da administração do TJ-RJ: vide os recentes “Desenforcamento de Tiradentes” e baile charme promovidos pelo Tribunal.


Desenforcamentos ou Reenforcamentos?

O TJ-RJ promoveu, na tarde do sábado 29/08/15, um evento chamado “A Justiça é o Charme”, com bastante música negra. A grande contradição é o Tribunal promover esses eventos e, ao mesmo tempo, sempre proferir decisões contrárias aos moradores de favelas e ocupações, aos pobres e negros (mais uma vez lembremos Rafael Braga Vieira). O baile foi promovido numa parceria com a Prefeitura do Rio de Janeiro, a mesma que reprime movimentos grevistas de professores e garis, além oprimir moradores de comunidades populares como a Vila Autódromo.


A representação intitulada “Desenforcamento de Tiradentes”, encenada na tarde de 21 de abril de 2015 no Salão Histórico do 1º Tribunal do Júri no Antigo Palácio da Justiça, simulou um rejulgamento atual de Joaquim José da Silva Xavier (que foi condenado por crime de lesa-majestade em 1792). Mas as “majestades” atuais têm, de fato, inocentado os tiradentes modernos? Tiradentes não foi um deus ou um santo (por mais que tentem retratá-lo à semelhança de Jesus Cristo): foi um ser humano com falhas e méritos. E seu grande mérito foi justamente se voltar contra à opressão governamental. Mas hoje quem se insurge contra a opressão é repreendido pelo TJ, que sequer vê com bons olhos quem queira pôr carro de som na rua para iniciar uma campanha salarial.


Muitos tiradentes modernos têm sido executados sob o manto dos “autos de resistência”, outros estão atrás das grades como Rafael Braga Vieira. Não há como deixar de relacionar os prisões ocorridas no século XVIII, com a do jovem Rafael, que, ao ser detido, foi algemado pelos tornozelos, tal como se fazia com os escravos. Não se pode mudar o passado e o triste destino de Joaquim José da Silva Xavier, mas pode-se – também em respeito à sua memória – deixar as demagogias de lado e agir contra as injustiças de hoje.

Algemado pelos tornozelos

FONTES:
O Drama de Rafael Braga”, matéria de German Aranda publicada 18/12/14 no sítio de Carta Capital: www.cartacapital.com.br/revista/830/o-bode-na-cela-5910.html;
Justiça mantém prisão de morador de rua por Pinho Sol”, matéria de 26/08/2014 da Redação da revista Carta Capital: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/justica-decide-manter-prisao-de-morador-de-rua-que-carregava-pinho-sol-e-agua-sanitaria-4961.html;
Rafael Braga Vieira: dois anos de prisão e de injustiça”, de Rose Barboza e Viviane Rezende, no jornal O Techeiro nº 232, junho/2015 – http://www.rederua.org.br/assets/232.pdf
Mordomias sem Controle”, de Lilian Primi, na revista Caros Amigos nº 220, julho/2015.

(*W. B. é técnico de atividade judiciária do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e associado do CESTRAJU - Centro Socialista de Trabs. do Judiciário)

NOTA: Após os eventos narrados neste texto, Rafael foi posto em regime aberto em 1º de dezenbro de 2015. Em  12/01/2016 saiu de casa para comprar pão de manhã, usando bermuda e tendo aparente a tornozeleira eletrônica que monitorava sua localização. Pronto: foi novamente abordado por policiais que forjaram flagrante com drogas e um rojão. Foi preso na hora, teve habeas corpus negado, sendo acusado de tráfico e associação para o tráfico, apesar de preso sozinho (!). Após muitos recursos, conseguiu reverter a condenação por associação para o tráfico. Mas a condenação por tráfico de drogas foi mantida, apesar das contradições nos depoimentos dos policiais e da ausência de testemunhas que confirmassem as versões da polícia. Só muito mais tarde saiu de trás das grades para cumprir pena em prisão domiciliar, visto que contraiu tuberculose na penitenciária. Segue a luta para que se Rafael Braga se desvencilhe de vez das garras dessa "justiça" kafkiana.

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