Fonte: http://blogsantoafonsoce.blogspot.com.br/2012/12/resistem-as-gentes-na-aldeia-maracana.html
segunda-feira, 31 de dezembro de 2012
Resistem as gentes na Aldeia Maracanã
Elaine Tavares *
1556. Rio de Janeiro. Território Tupinambá
Contra o "negócio" Copa do Mundo, a beleza e a força do mundo indígena se levantam no Rio de Janeiro.
No meio da mata os Tupinambás espiam a baia. Desde há muito tempo (1502) que por ali havia chegado uma gente estranha. Traziam cruzes e armas que cuspiam fogo. Por anos foram empurrando os nativos para longe da praia, expulsando das terras que ocupavam em paz e destruindo seu modo de vida. Muitos tinham sido mortos, outros escravizados e uns poucos se embrenhavam para dentro da floresta, ainda livres. As batalhas eram frequentes, mas desiguais. Em 1554, um jovem índio chamado Aimbiré, filho do cacique Kairuçu, depois de ver o pai capturado e morto por conta dos maus tratos na fazenda de Brás Cubas, em São Vicente, consegue fugir do cativeiro e começa a reunir-se com chefes de grupos indígenas que ainda andavam livres pela região. É ele quem vai costurar uma aliança histórica de resistência. Naqueles dias andavam pela baia também os franceses, loucos para abocanhar riquezas. Os Tupinambás - que nos tempos da invasão dominavam todo o litoral - por algum motivo, acreditaram que aqueles poderiam ser amigos e se aliaram a eles para expulsar os portugueses. Lograram um pacto com os Goitacazes e os Guaianases, e essa parceria se configurou na famosa Confederação dos Tamoios, liderada por Aimbiré. Os indígenas pelearam por mais de 10 anos contra os portugueses. Traziam na pele a marca da opressão e queriam suas terras de volta.
No meio da mata os Tupinambás espiam a baia. Desde há muito tempo (1502) que por ali havia chegado uma gente estranha. Traziam cruzes e armas que cuspiam fogo. Por anos foram empurrando os nativos para longe da praia, expulsando das terras que ocupavam em paz e destruindo seu modo de vida. Muitos tinham sido mortos, outros escravizados e uns poucos se embrenhavam para dentro da floresta, ainda livres. As batalhas eram frequentes, mas desiguais. Em 1554, um jovem índio chamado Aimbiré, filho do cacique Kairuçu, depois de ver o pai capturado e morto por conta dos maus tratos na fazenda de Brás Cubas, em São Vicente, consegue fugir do cativeiro e começa a reunir-se com chefes de grupos indígenas que ainda andavam livres pela região. É ele quem vai costurar uma aliança histórica de resistência. Naqueles dias andavam pela baia também os franceses, loucos para abocanhar riquezas. Os Tupinambás - que nos tempos da invasão dominavam todo o litoral - por algum motivo, acreditaram que aqueles poderiam ser amigos e se aliaram a eles para expulsar os portugueses. Lograram um pacto com os Goitacazes e os Guaianases, e essa parceria se configurou na famosa Confederação dos Tamoios, liderada por Aimbiré. Os indígenas pelearam por mais de 10 anos contra os portugueses. Traziam na pele a marca da opressão e queriam suas terras de volta.
Em 1565, Estácio de Sá desembarca perto do que hoje é o Pão de Açúcar e
começa dali a resistência portuguesa contra os franceses e os indígenas.
É quando funda a vila de São Sebastião do Rio de Janeiro. Com a ajuda
do padre Anchieta, os portugueses vão se misturando a outras etnias
indígenas, conquistando amizades e enfraquecendo a Confederação.
Naqueles dias a coroa não atinava perder o comércio do pau-brasil,
abundante na região. Por dois anos deram batalha aos indígenas. Esses
eram chefiados pelo valente cacique Aimbiré, que conduzia os guerreiros
pelas canoas através da baia da Guanabara em duros confrontos contra os
invasores.
Ainda assim, Estácio de Sá seguia distribuindo terra aos amigos
portugueses, visando fortalecer suas posições. Em 1567, os portugueses
conseguem abafar o movimento indígena e expulsam os franceses da região.
A Confederação dos Tamoios é derrotada, os povos originários do lugar
são dizimados, as lideranças caem nas batalhas, e poucas famílias
conseguem escapar pelo mato, garantindo assim a continuidade do povo
indígena na região.
2006. Rio de Janeiro. Ocupação Guajajara
No meio dos prédios os Guajajaras espiam o grande estádio do Maracanã,
templo de um esporte que chegou ao Brasil pelas mãos dos ingleses, num
tempo em que a Inglaterra era dona do mundo. Remanescentes dos velhos
guerreiros da Confederação dos Tamoios, os indígenas se embrenham na
cidade maravilhosa para recuperar o que acreditam ser seu: uma pequena
fatia de território. O mesmo espaço que foi palco da disputa sangrenta
entre portugueses e tupinambás nos primeiros anos de invasão. O lugar em
questão é um velho prédio localizado ao lado do estádio, que de 1953
até 1977 abrigara o Museu do Índio, criado por Darcy Ribeiro para ser
justamente um espaço onde o homem branco pudesse compreender o modo de
vida dos povos originários.
O território onde está o prédio tem larga vinculação com os indígenas.
Primeiro, era o seu mundo original. Depois, com a vitória portuguesa foi
passando por várias famílias até que em 1865, o então proprietário,
Duque de Saxe, doou a grande mansão que construíra para que o governo
federal a transformasse em Centro de Pesquisa sobre a cultura indígena.
Nada aconteceu. A casa acabou abrigando a Escola Nacional de Agricultura
e só décadas depois sediou o antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI).
Quando o SPI foi transferido para Brasília em 1964, o prédio passou
para a mão dos militares. Foi só em 19 de abril de 1953 que o casarão
retornou para a vida indígena, quando Darcy Ribeiro instituiu o Dia do
Índio e criou ali o museu.
Mas, o espaço não ficaria muito tempo dedicado ao abrigo da história
indígena. Em 1977 o museu é transferido para o bairro do Botafogo e o
prédio passou para o controle da Companhia Nacional de Abastecimento,
que praticamente o abandonou. Ao longo dos anos, a velha casa foi ruindo
e nunca sequer foi tombada pelo Patrimônio Histórico.
Só que para os indígenas aquele lugar é espaço sagrado, templo de
resistência e foi assim que em 2006 cerca de 20 pessoas - indígenas de
várias etnias - decidiram ocupar o prédio, dispostos a fazer dali um
ambiente de acolhimento para todos os irmãos que chegam à cidade
maravilhosa, além de guardar a memória ancestral das gentes que viveram
naquele território desde os tempos imemoriais. A casa foi tomada e
começou a batalha pelo tombamento e recuperação. Desde então as
comunidades originárias vem travando grande batalha institucional para
manter o prédio, criando um polo de produção de cultura e de
conhecimento sobre os povos originários.
Mas, a exemplo dos tempos da invasão, novos Estácios de Sá armam suas
esquadras e dão combate aos indígenas. Ao que parece, nada muda nas
terras de Pindorama.
2012. Rio de Janeiro. Copa do Mundo
Pois em julho desse ano, completamente surdo aos desejos dos povos
indígenas e dos movimentos sociais para que fosse feito o tombamento do
lugar, o governo federal vendeu a área ao governo do Rio de Janeiro. A
proposta do governador Sérgio Cabral, singela, é derrubar o prédio para
que sirva de espaço de mobilidade para as pessoas que virão assistir aos
jogos da Copa do Mundo de 2014. Mais uma vez, a cultura indígena sendo
solapada em nome de um deus estranho: nesse caso, o dinheiro.
Hoje seguem vivendo no prédio perto de 20 pessoas, representando etnias de diversas regiões do país: Guajajara, Pankararu, Xavante, Guarani, Apurinã, Fulni-ô, Pataxó e Potiguara, entre outras. Várias casas foram erguidas no lado de fora, uma vez que o prédio principal está em ruinas, apesar de servir para algumas atividades. A proposta dos ocupantes é recuperar o prédio e transforma-lo na primeira Universidade Indígena do país. Atualmente já são ministradas aulas de língua Tupi Guarani, inclusive para professores universitários e acontecem manifestações culturais, rituais, pinturas de corpo, feitura de comidas típicas das etnias na cozinha coletiva, ensinadas medicinas nativas e contadas histórias das tradições indígenas. Segundo as lideranças vivem mais de 30 mil índios no espaço urbano do Rio de Janeiro e o casarão deverá ser também um ponto de referência para a sobrevivência da cultura de todos eles.
Hoje seguem vivendo no prédio perto de 20 pessoas, representando etnias de diversas regiões do país: Guajajara, Pankararu, Xavante, Guarani, Apurinã, Fulni-ô, Pataxó e Potiguara, entre outras. Várias casas foram erguidas no lado de fora, uma vez que o prédio principal está em ruinas, apesar de servir para algumas atividades. A proposta dos ocupantes é recuperar o prédio e transforma-lo na primeira Universidade Indígena do país. Atualmente já são ministradas aulas de língua Tupi Guarani, inclusive para professores universitários e acontecem manifestações culturais, rituais, pinturas de corpo, feitura de comidas típicas das etnias na cozinha coletiva, ensinadas medicinas nativas e contadas histórias das tradições indígenas. Segundo as lideranças vivem mais de 30 mil índios no espaço urbano do Rio de Janeiro e o casarão deverá ser também um ponto de referência para a sobrevivência da cultura de todos eles.
Nesses dias, quando a demolição se aproxima, muito mais gente está se
unindo aos moradores originários, tentando fazer pressão para que o
governo estadual reverta a situação. Já foram feitas audiências públicas
na assembleia estadual, caminhadas, protestos, ações judiciais. Tudo o
que dá para fazer dentro da ordem burguesa. Mas, nos governos, todos
estão surdos. Para se ter uma ideia do que pensam basta espiar a fala do
Superintendente Federal de Agricultura no Estado do Rio de Janeiro,
Pedro Cabral, em entrevista aos jornais: "A memória dos índios será
preservada, talvez com uma loja de artesanato para eles venderem seus
materiais". Para eles, índio é folclore. Já Sérgio Cabral insiste:
"vamos derrubar". Mas, na aldeia Maracanã, o povo segue em resistência.
E tu, cara pálida?
A verdade pode soar incômoda, mas, índio, no Brasil, é estorvo. Por
conta disso, eles são assassinados, estuprados, dominados, chutados,
queimados, escondidos, degradados. Só que nem sempre foi assim. Antes da
invasão dos portugueses os grupos étnicos, mais de 200, iam construindo
suas vidas, dentro dos limites de suas culturas. Vivendo em terras
férteis e abundantes não chegaram a constituir uma civilização como os
astecas, incas e maias, premidos pelas dificuldades geográficas. Eram
caçadores, coletores, e sentiam-se livres na imensidão das terras
tropicais. A chegada dos estrangeiros colocou o mundo de cabeça para
baixo, todo um modo de vida ruiu. Com os portugueses vieram a cruz e o
arcabuz, exigindo a fé num deus estranho e impondo a escravidão.
Estarrecidos diante da violência dos homens de além-mar, os habitantes
originários dessas terras foram se embrenhando no interior. Os que não
conseguiram foram exterminados. E assim foi se fazendo esse imenso
Brasil. O índio era um animal sem alma que não servia sequer para ser
escravo. Por isso, o extermínio, o genocídio.
Com o passar do tempo, as etnias que se embrenharam pelo interior também
foram sendo encontradas. Com a chegada dos imigrantes, as terras que
eram espaços de liberdade, começaram a ser aradas e escrituradas,
passavam para outras mãos, viravam mercadoria, coisa que se compra. Na
solidão das noites, os grupos indígenas que tinham sobrevivido ao
massacre dos primeiros tempos também foram sendo destruídos, um a um.
Eram chamados de bugres, selvagens, animais. Precisavam ser
"civilizados" para que aceitassem pacificamente o roubo de suas terras e
vidas. Assim se criaram os "bugreiros", os bandeirantes, uma gente que
fez fortuna caçando e matando índio e que até hoje são apontadas como
"heróis nacionais". De novo, os habitantes originais da grande Pindorama
eram um entrave para o progresso que representavam os imigrantes.
No início do século XX uma nova versão de contato começou a se fazer. Já
não era mais o tempo da morte, do extermínio, mas da inclusão. Os
indígenas começaram a ser procurados para que pudessem sair do seu
estado "selvagem" fazendo parte da "civilização". Com o lendário
Marechal Rondon acabava-se a caça e começava um processo de integração.
Foi ele quem criou o Serviço de Proteção ao Índio, em 1910, com sede no
Rio de Janeiro, então capital da República. O objetivo era dar amparo e
ajudar no processo de integração. Mas, apesar de todos os esforços e da
boa vontade de muita gente do calibre de um Rondon, a integração do
índio à sociedade que se criou a partir do genocídio nunca se deu de
verdade. Fora do seu lugar sagrado, os povos originários seguiram sendo
vistos como um estorvo. Os que se integraram na vida fora das matas,
foram perdendo suas referências culturais, e ainda assim seguiram sendo
discriminados. E os que aceitaram viver em aldeias, amargam até hoje a
falta de direitos e de terra.
Apesar da história triste de morte, destruição e genocídio, os povos
indígenas nunca se entregaram sem luta. Desde os primeiros dias da
invasão, quando perceberam que ali estava a opressão, as comunidades
resistiram. Resistem ainda hoje por todo o país, na luta pela demarcação
das terras, contra a invasão de seus territórios, contra os
megaprojetos que destroem a vida, pela garantia de seus direitos. E não é
diferente o que acontece hoje no Rio de Janeiro. Tão pouco o que
querem: um prédio, uma universidade, um espaço para que sua gente possa
descansar a cabeça e cultivar sua cultura. Ainda assim, a sanha por
lucro, dinheiro, negócios, prevalece. A Copa do Mundo, que pretende
atrair turistas de todo o planeta, trará com ela mais um massacre.
Que fazer diante disso? Da impotência frente à fria lógica do capital?
Talvez seja hora de evocar Aimbiré, a alma sagrada da Confederação
tamoia, o desejo secular de liberdade das gentes indígenas para viver
sua cultura, seus deuses, seu modo de vida. E, com essa força, iniciar
uma rebelião que acerte o ponto mais sensível dessa gente que quer
derrubar a aldeia Maracanã: o bolso. As formas? Haveremos de
encontrar...
* Elaine Tavares é jornalista.
* Elaine Tavares é jornalista.
Fonte: www.eteia.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário