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domingo, 27 de maio de 2012

O relato da morte de um rio


FONTE: Correio Braziliense - 27/05/2012
 
Autor(es): GUILHERME AMADO

Comunidades que nasceram e cresceram às margens do Peruaçu, o principal afluente do São Francisco no norte de Minas Gerais, assistem à força de suas águas minguar e à sua existência se evaporar aos poucosNotíciaGráfico

Januária — O verão de 1997 teima na memória de Tião. Foi o último em que reinou soberano o Rio Peruaçu, principal afluente do São Francisco no norte de Minas Gerais. Sebastião Alves Moreno suava para dar conta dos clientes do pequeno bar Só Triscando, até hoje instalado numa das margens do Peruaçu. Baixinho, moreno tal qual o nome, com tino comercial, Tião aproveitou a proximidade com o rio para criar no bar um sonhado balneário mineiro. Divididos pelo curso d"água, que delimita o traçado das duas cidades, os moradores de Januária e de Itacarambi se reuniam ali para, entre cervejas e galinhas ao molho pardo, mergulhar no rio como numa praia. Maio de 2012. Quinze anos depois, morreu o bar. Acabou a orla mineira. O Peruaçu, cada vez mais árido, agoniza sem pressa.
A crônica da morte do rio remonta a 1998, ano seguinte ao último verão na lembrança de Tião, momento em que os primeiros trechos começaram a assorear. A causa mortis é mais antiga. Passa pelos anos 80, quando, dizem moradores, uma leva de máquinas agrícolas chegou à região, para pequenas e grandes propriedades cujos donos mal sabiam operá-las. Na cabeceira, uma plantação de soja devastou boa parte da mata ciliar. Ao longo do curso, queimadas revezavam-se com outros cortes da vegetação nativa, reduzida à metade da cobertura original, e o Peruaçu tornava-se menos e menos caudaloso a cada estação. O poder público assistiu omisso.
A bacia abrange as cidades de Januária, Itacarambi, Cônego Marinho e Bonito de Minas, incluindo o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu. O cenário de 56,8 mil hectares do parque mistura buritis, barrigudas e cajueiros a formações rochosas entrecortadas por cavernas com estalactites de milhões de anos, algumas decoradas por pinturas rupestres. Uma diversidade que, para ser preservada, depende do rio que a corta. Mergulhados num índice de pobreza extrema — aqueles que têm renda familiar mensal inferior a R$ 70 por pessoa — que ultrapassa 20% em algumas cidades, os ribeirinhos também sobrevivem do Peruaçu.
Foi assim com Mosar Gonçalves Lima, agricultor de 65 anos que criou os cinco filhos nas águas do rio que hoje vê morrer. Ou melhor: o rio que hoje tenta salvar. Sorriso rasgado no rosto, Mosar participa de um esforço de dezenas de moradores que fazem parte do Água Brasil, programa da Fundação Banco do Brasil, da Agência Nacional de Águas e da organização ambientalista WWF-Brasil, que ensina técnicas sustentáveis de cultivo a comunidades ribeirinhas na bacia. O Correio acompanhou uma oficina promovida pela WWF na última terça-feira, em que foram delineadas as próximas ações na região. "Vamos entrar em uma fase de metamorfose. Todos aqui já perceberam que devemos arrumar uma forma de produzir sem degradar. Isso aqui é nossa fonte e nosso projeto de vida", anima-se Mosar.
Mudança de rumo
A tarefa não é fácil. Tampouco é impossível. A aliança com o setor financeiro é estratégica, já que critérios de sustentabilidade podem influir na concessão de empréstimos para a produção agrícola. Especialista em conservação da WWF, Ricardo Novaes lembra da importância dos ribeirinhos para salvar o Peruaçu. O alvo é o trecho médio do rio, onde está a maioria das famílias. "É importante fortalecer essa unidade de conservação frente à comunidade. Mostrar que, mudando o rumo, é possível uma agricultura sustentável, sem degradar esse rio que ainda tem vida em muitas partes."

Há cinco gerações na região, a família Gonçalves Lima aprendeu no próprio quintal essa lição. Com uma roça bem aquém da que já teve no passado, Mosar depende das poucas cabeças de gado que possui. Quando o bolso aperta, vende um bezerro. No passado, bastava negociar todo mês parte do que produzia. Após mostrar cada canto da modesta casa de quatro cômodos, decorada por fotos em preto e branco e santos católicos cheios de cores, convida o repórter a conhecer a parte da propriedade da qual se vê o rio. Lembra que não existe mais água e logo desiste. "Queremos ter uma vida digna. Sem água isso não é possível. Eles vão reconhecer esse esforço", diz, apontando para os netos que jogam bola no chão seco.
"Todos aqui já perceberam que devemos arrumar uma forma de produzir sem degradar. Isso aqui é nossa fonte e nosso projeto de vida"
Mosar Gonçalves Lima, agricultor

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