Rio Hoje às 21h00 - Atualizada hoje às 21h09
Transferência coloca em risco os pacientes do
Iaserj, dizem servidores
Removeram pacientes especiais de forma truculenta, segundo a técnica
responsável
Jornal do Brasil Caio de Menezes
A
transferência – na calada da noite, de forma pouco usual e até truculenta - de
pacientes do Hospital Central do Instituto de Assistência aos Servidores do
Estado do Rio de Janeiro (Iaserj) na Avenida Henrique Valadares, no Centro do
Rio, para outras instituições de saúde, não significa para os funcionários
apenas o risco de perda dos empregos e quebra do vínculo com o ambiente de
trabalho, mas ameaça aos próprios pacientes.
O Hospital
será desativado para que seu prédio possa servir à ampliação do Instituto do
Câncer. As remoções, tão logo liberadas pela Justiça, começaram a ser feitas na
noite de sábado debaixo de escolta do Batalhão de Choque, como se houvessem
marginais. Segundo médicos, estas transferências provocarão desperdícios. Serão
perdidos, por exemplo, 16 leitos do Centro de Tratamento Intensivo (CTI)
criados há apenas quatro anos. Isto em um estado onde 150 pacientes estão
necessitados desta espécie de tratamento e aguardam uma vaga na fila.
Ali viviam,
há 8 anos, Rosa Barcelos Rosa, de 56 anos, portadora de Síndrome de Down, e
Andreia Paixão, de 38, que sofre de paralisia cerebral. De pacientes
abandonadas, sem vínculos sociais, transformaram-se em mascotes daquela
comunidade. A remoção delas para o Hospital Eduardo Rabello, no longínquo
bairro de Campo Grande, na zona Oeste, comoveu e revoltou todos, de porteiro ao
pessoal da CTI.
Antônia
Maria dos Santos, técnica de enfermagem que os funcionários consideram a mãe
das duas internas, não conteve as lágrimas e as críticas ao comentar a remoção
de suas ‘filhas’. Sem ter assistido a transferência das ocupantes dos leitos 9
e 10 da enfermaria 53, ‘Tuninha’, como a enfermeira é chamada pelas pacientes,
misturou indignação, tristeza, saudade, e medo ao falar das‘meninas’:
“Sou casada,
mas nunca tive filhos. Encontrei nelas o amor filial e sabia que elas gostavam
de mim como a uma mãe. Ao longo dos anos em que viveram aqui, nós demos roupas,
móveis, tudo. É inadmissível saber que foram arrancadas daqui no meio da madrugada,
carregadas em lençol. É muita truculência e desrespeito ao paciente. Nem uma
maca foram capazes de lhes fornecer”,protestou. “Fico imaginando o rostinho
delas quando chegarem ao novo hospital, com pessoas diferentes, outro ambiente.
Ficarão amedrontadas, perdidas”.
A enfermeira
Márcia Silveira, no Iaserj desde 1990, lembrou da entrada delas, em 1994.
Triste, ela teme uma ‘provável regressão’ nos avanços cognitivos e motores
apresentados pelas duas ao longo da internação no Iaserj.
“Elas
chegaram aqui se alimentando na mamadeira, pouco falavam. São pessoas que
carregam traumas antigos, de abandono familiar, agressão. Encontraram aqui
abrigo, amor, que as fez melhorar. Já se alimentavam sozinhas, faziam festas,
retribuíam ao carinho recebido. Tenho medo que elas possam piorar, e até mesmo
morrer”.
Pacientes em risco
Chefe do
Centro de Tratamentos de Feridas (Cetafe), única unidade na especialidade no
estado, a dermatologista Cristina Maria Machado Maia criticou a falta de
planejamento ao se iniciar, ‘de forma repentina e despreparada’,o fechamento do
Iaserj. Segundo ela, que tem sob sua responsabilidade 600 prontuários, os
pacientes não foram comunicados.
“Temos aqui
105 salas de ambulatório. O prédio no Maracanã, para onde será transferido o
Cetefe, tem somente 30”, explicou. “Alguns pacientes precisam trocar os
curativos das feridas a cada 7 dias. O prazo de alguns deles termina nesta
semana que entra. Ninguém sabe se o Iaserj abre amanhã (segunda-feira, 16) ou
quando abre. A situação é gravíssima. Pode haver, inclusive, amputações”.
Para membros
da equipe de intensivistas (que atendem no tratamento intensivo) do Iaserj, que
foi toda transferida para o Hospital Getúlio Vargas (HGV), na Penha (Zona
Norte) junto com os pacientes, a remoção é assustadora. Seus médicos lamentam o
fechamento da CTI, criada em 2008 e com‘muita lenha pra queimar’.
“Recentemente,
foram inauguradas 24 UTIs no HGV. Com a transferência do setor daqui para a
Penha, o ganho real na rede estadual de saúde será de apenas oito leitos. Esta
situação, em um Estado que tem 150 pessoas aguardando uma vaga em CTI, é
lamentável. Eles não estão nem aí se 10% destes pacientes morrerem esperando
vaga”.
A
intervenção na CTI do Iaserj, segundo o médico ouvido pelo JB, e que
preferiu o anonimato, põe em risco os transferidos.
“Infelizmente,
o Estado não observa a vida humana. Ninguém da equipe de intensivistas do
Iaserj assinou qualquer termo de liberação ou atestou a condição clínica dos
pacientes removidos. A responsabilidade é, integralmente, da secretaria
estadual de Saúde”, disse o intensivista. “Apenas um paciente ficou aqui, por
não ter condição alguma de ser transferido. É muito pouco provável que ele se
recupere, ficaremos aqui enquanto ele resistir”.
Funcionária
do Hospital, onde é secretária da direção da unidade há 8 anos, Andrea
Assunção, criticou a administração do Iaserj. Para ela, além do risco dos
funcionários perderem o emprego, a população do entorno do local ficará
desassistida.
“O Iaserj
não existe para o governo estadual. Que hospital a população do Centro vai
utilizar? O Souza Aguiar já está completamente lotado, com filas gigantes. As
pessoas entravam aqui e saíam vivas, saudáveis. Acabaram com um hospital
excelente”, disse. “A administração do Pedro Cirilo pode ser considerada horrorosa,
ele fez de tudo para fechar isso daqui. Os funcionários que não são concursados
sairão com uma mão na frente e outra atrás”.
Segundo a
secretaria estadual de Saúde, 31 pacientes de enfermarias e do
pronto-atendimento do Iaserj foram levados para os hospitais estaduais Albert
Scweitzer, em Realengo, na Zona Oeste; Carlos Chagas, em Marechal Hermes, no
subúrbio; Eduardo Rabelo, em Campo Grande, na Zona Oeste; Melchiades Calazans,
em Nilópolis, na Baixada Fluminense, e São Francisco de Assis, na Tijuca, Zona
Norte.
A secretaria
informou que os parentes desses pacientes foram informados da necessidade de
transferência, compareceram ao Iaserj, onde foram recebidos pela equipe de
humanização, e puderam escolher entre as vagas existentes na rede.
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