Alex
Brasil*
Introdução:
Desde
o início da pandemia da COVID-19, os números conseguidos pelo
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro não param de
crescer e foram anunciados com entusiasmo pela Corte fluminense:
3.213.248 sentenças, 3.269.344 decisões, 8.936.457 despachos e
105.777.561 atos cumpridos por servidores. Uma produção na pandemia
que chegou, na 4ª semana de julho de 2021 a 121.196.610 de
movimentações. Isso tudo graças à implantação do Regime
Diferenciado de Atendimento de Urgência (o RDAU, o teletrabalho
generalizado, adotado com o surgimento da pandemia do COVID-19, a
partir de 16 de março de 2020).
Esses
números assegurarão, pelo 12º ano consecutivo, ao TJRJ o posto de
tribunal mais produtivo do país. Segundo o Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), em 25/8/2020, o Índice de Produtividade dos
Servidores (IPS-Jud) dos trabalhadores do TJ/RJ foi o maior do
Brasil, com a marca de 294, 38% superior ao TJ/RS, que ficou em
segundo lugar entre as maiores cortes judiciais. Esses números
também serão tomados como referências nos Colégios de Presidentes
e de Corregedores dos Tribunais de Justiça para uniformização das
chamadas "boas práticas" pelos demais TJs.
Para
a Assessoria de Comunicação da Corregedoria Geral de Justiça do
Rio de Janeiro (ASCOM - CGJ) o Corregedor-geral da Justiça do
TJ-RJ, o desembargador Ricardo Rodrigues Cardozo, disse, em 11 de
maio último, que o trabalho remoto veio para ficar: “A
pandemia acelerou este processo. Antes sabíamos que um dia viria.
Agora, este dia chegou. Estamos reformulando rotinas que possam
efetivamente tornar permanente este serviço. Todo trabalho será
regulado com metas rígidas”.
Por exemplo, essas "metas rígidas" apontam o percentual de
25% a mais para aqueles que se encontram no Regime Especial de
Trabalho Remoto Externo – RETE, implantado bem antes da pandemia,
em 2015.
Dessa
forma, o Corregedor reforçou as declarações do presidente do
TJ/RJ, Henrique Figueira, em março de 2021, que disse ao jornal
virtual Metrópoles: "A
pandemia oficializou isso
(o teletrabalho).
O ritmo de trabalho não caiu, aumentou a produtividade. A pessoa
quando vem para o tribunal gasta duas horas de condução, uma hora e
meia de almoço, fora o bate-papo habitual, que faz bem. Então, a
pessoa fica quatro horas e meio sem trabalho. Em casa, ela tem a
flexibilidade de trabalhar a qualquer hora, o almoço em casa é mais
curto, a conversa com as pessoas é menor, o tempo de transporte não
existe, por isso a produtividade aumentou".
Não foi bem assim, vejamos adiante.
Servidores
do TJ e a captura da sua subjetividade: de trabalhadores a
colaboradores do produtivismo do tribunal
De
início, o importante é constatar que a generalização do trabalho
remoto contou com o apoio e entusiasmo de grande parte dos
trabalhadores do TJ/RJ, que achou que ia ter mais tempo livre.
Reflexo disso foi que, na mesma matéria publicada por ASCOM-CGJ com
as declarações do Corregedor Geral, também saiu a entrevista
favorável ao teletrabalho de três servidores em Regime Especial de
Trabalho Remoto Externo - RETE: uma lotada na Comarca de Mangaratiba,
trabalhando na Malásia, Ásia; outra trabalhando na cidade de
Niterói sobre processos de um cartório cível da Capital e outro
processando feitos da Comarca de Três Rios, em uma pequena cidade de
Minas Gerais. Vejamos o que disseram os mesmos sobre o teletrabalho.
A
servidora residente na Malásia disse na entrevista: "A
ausência de interrupções e das comunicações do regular trabalho
presencial para mim é o grande diferencial no aumento da
produtividade". Já
a servidora que mora em Niterói afirmou: "Assim
acredito que os fatores mais relevantes para o aumento da
produtividade no trabalho em casa é a possibilidade de
flexibilização do horário de trabalho e de conciliação deste com
minhas rotinas que me permite otimizar meu tempo e aumentar minha
eficiência". Por
fim, o servidor morador de Rio Pomba-MG sintetizou: "É
essencial ter disciplina, comprometimento e responsabilidade e ter
foco na produtividade elaborada pelo chefe da serventia e exigida
pela Corregedoria."
Como
vemos todos os entrevistados mostraram-se imbuídos do discurso
uniformizado da Administração do TJ-RJ, centrado na palavra mágica
"produtividade" e preocupados com o aumento da mesma. Ou
seja, se revelaram, subjetivamente, como "colaboradores" do
TJ, "vestindo a camisa" do empregador, como se não mais
existissem contradições entre a Administração e os servidores,
entre patrões e empregados. Neste contexto, elucidativa a fala da
servidora que reside na Malásia, quanto imputa a si mesmo a
responsabilidade sobre o material de trabalho adequado e não ao
empregador: "Ter
também uma estação de trabalho igual à do TJ em casa, com uma
tela auxiliar vertical faz toda a diferença no processamento, além
de uma boa internet".
Mas
enquanto a subjetividade do trabalhador foi cooptada pelo empregador
e o teletrabalho alavancou extraordinariamente a produtividade, que
já tinha crescido bastante em mais de uma década no TJ/RJ, o número
dos servidores continuou seguindo a lógica de diminuição constante
do efetivo funcional, desde 2013. Face à adoção de vários Planos
de Incentivo à Aposentadoria (PIAs) - política em parceria com a
entidade sindical desenvolvida na década passada, somados às
aposentadorias que se deram por fora dos PIAs, os pedidos de
exoneração, demissões e morte de servidores - os serventuários
do Judiciário fluminense (que chegaram a ter uma categoria com mais
de 14 mil trabalhadores, no início da década passada, só perdendo,
no Brasil, em quantitativo funcional para o Judiciário paulista)
hoje são pouco mais de dez mil trabalhadores.
Reverter
esse número cada vez mais enxuto de funcionários, entretanto, não
parece ser a preocupação da Administração do Tribunal. O
desembargador Henrique Figueira mostrou na mesma entrevista que o seu
foco é outro: "Fazer
uma estrutura com a utilização de robôs que possam ajudar o juiz
na prestação jurisdicional... O trabalho que o juiz faz em uma hora
(sic),
o
robô faz em um segundo, é uma diferença absurda. Salve engano, são
80 atos por segundo. Isso está em pesquisa. Recentemente, criamos o
Núcleo de Inovação Tecnológica para fazer contatos com outros
tribunais através do Conselho Nacional de Justiça. Vamos buscar
intertransferência de tecnologia nos tribunais estaduais, federais e
da Justiça do Trabalho, através do Processo Judicial Eletrônico, o
PJE... O Justiça 4.0 (convênio
com o STF) está
relacionado a tudo que falamos sobre inovação tecnológica. Por
exemplo, o balcão virtual. Todos os cartórios, todas as varas devem
ter a possibilidade de atendimento virtual. Ao invés de o advogado
ou estagiário vir aqui no balcão para ver o andamento do processo,
ele pede a informação pelo Zoom (aplicativo de videoconferência)".
A
criação do balcão virtual, ainda no primeiro semestre de 2021, foi
a materialização da prioridade da magistratura fluminense. O balcão
virtual, inclusive, conta com a avaliação do atendimento feito pelo
advogado e/ou parte sobre o atendimento do servidor, como existe hoje
sobre os trabalhadores super-explorados de qualquer empresa de
telemarketing. Para agosto de 2021, a Administração do TJ anunciou
a implantação do Gabinete Virtual nas 52 varas cíveis da comarca
da capital, este, entretanto, sem avaliação do jurisdicionado. E o
balcão e o gabinete virtual envolverão não só o trabalho
presencial como também o teletrabalho. Para tudo funcionar
virtualmente, o presidente do TJ/RJ anunciou que todos os processos
serão digitalizados, até final de 2022.
Constrói-se,
dessa forma, uma prestação jurisdicional baseada somente em números
e estatísticas volumosos. Também -se aumenta-se a distância do
Poder Judiciário do jurisdicionado, com o balcão, gabinete e
audiências virtuais. Substitui-se, dessa forma, a criticada
morosidade do Judiciário e o desgastante atendimento às partes, por
uma "justiça" cada vez mais de "fast food",
apoiada nas súmulas vinculantes. Em resumo: uma "justiça"
célere, apartada do contato com advogados e partes, a de "recorta
e cola" de sentenças, Acórdãos e decisões.
A
embalagem da celeridade processual e o distanciamento físico das
partes são o chamariz para seduzir os chamados operadores do
direito, mas o conteúdo que ela traz é que se fará cada vez menos
justiça para aqueles que são pessoas físicas e não são pessoas
jurídicas (como os grandes bancos e as grandes corporações), assim
como trará maior pressão sobre os servidores para cumprimento de
metas de produtividade. Ao estilo das normas que o TJ-RJ baixou em
2019 para a Equipe Técnica (psicólogos, assistentes sociais e
comissários) da meta de 30 processos mensais, número absurdo que
ignora os respectivos conselhos profissionais.
Portanto,
conjugando novas ferramentas tecnológicas com o teletrabalho,
focados em índices crescentes de produtividade, explica-se porque o
número de servidores continua caindo, da mesma forma que os
trabalhadores lotados por serventias. Para também sustentar esse
processo atual, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, seguiu se
apoiando, no período pré-pandemia, nas diretrizes do Documento
Técnico nº 319/1996 de MARIA
DAKOLIAS do
Banco Mundial (“O
Setor Judiciário na América Latina e Caribe –. Elementos para
Reforma”,
exaustivamente discutido nas edições anteriores desta revista). A
implementação dessas diretrizes, avançou, em grandes passos na
privatização da força de trabalho.
Relembramos,
mais uma vez, os diversos expedientes utilizados pelo TJ-RJ, pós o
advento do Documento nº 319: 1) requisição de funcionários de
prefeituras e do estado, nos anos noventa para suprir a ausência de
funcionários; 2) nas primeiras décadas dos anos 2000, contratação
de milhares de estagiários de Direito, em desvio de função e com
baixa remuneração, para fazer o trabalho dos servidores e
utilização, em larga escalas e de firmas terceirizadas nos
chamados setores administrativos; 3) por fim, o recurso ao trabalho
voluntário, de três anos para cá.
A
obsessão pelo pouco tempo livre que sobrou do servidor para garantir
esses altos índices de produtividade com baixo número de servidores
fez com que o TJ/RJ, em mais uma parceria com a entidade sindical,
recentemente, adotasse uma política de compra de licenças prêmios
acumuladas e, agora, de férias também acumuladas, dependendo de
disponibilidade orçamentária. Se apoiando na restrição quase
absoluta ao direito do gozo da licença prêmio e em uma situação
de congelamento salarial que perdura há 7 anos, a grande maioria dos
servidores aderiu à venda de licenças prêmios acumuladas, processo
que aponta para o fim deste direito.
Para
finalizar, a direção sindical, novamente em harmonia com a
Administração do TJ, anunciou, a partir da criação de um símbolo
CAI pelo Órgão Especial do TJ, e, com isso, a possibilidade da
criação do 4º secretário de juiz; do aumento da comissão da
gratificação de substitutos de chefias nas serventias e da criação
de gratificação para encarregados e até para os servidores que
trabalham em cartório. O comissionamento proposto, enquanto os
salários seguem congelados por quase uma década, mais uma vez é um
atativo para os trabalhadores arrochados, com o objetivo de que estes
produzam cada vez mais sentenças, decisões, Acórdãos, despachos,
no lugar dos juizes de primeira e segunda instância, que
continuariam só supervisionando o serviço realizado pelos
servidores.
Teletrabalho
e Produtivismo, assim caminha a força de trabalho no TJ-RJ?
Sem
dúvida, como abordado no início deste texto, a nova marca do
produtivismo no TJ-RJ tem sido o teletrabalho. É verdade que a
Administração do Tribunal, por pressões de setores empresariais
sobre o Executivo Estadual, sinalizou com o retorno da maioria dos
servidores, até setembro de 2021, acompanhando a volta ao trabalho
presencial dos demais servidores do Estado. Mas, essa atitude da
Administração do tribunal não invalida o vaticínio do presidente
e do Corregedor da corte fluminense: o teletrabalho veio pra ficar.
Partindo
dessa premissa, vamos nos ater um pouco sobre o que está sendo
estudado sobre o teletrabalho. Em setembro de 2020, no seu artigo
"Trabalho
Virtual",
o professor da UNICAMP/SP, Ricardo Antunes, que tem se destacado há
três décadas pelo estudo das transformações que tem se operado na
força de trabalho e no seu reflexo sobre a sua subjetividade,
analisou o processo pelo qual a força de trabalho estava passando em
plena pandemia, com a implementação em larga escala do teletrabalho
: "Recentemente,
nas plataformas digitais essa realidade vem se exacerbando ao limite.
Os algoritmos, concebidos e desenhados pelas corporações globais
para controlar os tempos, ritmos e movimentos de todas as atividades
laborativas, foram o ingrediente que faltava para, sob uma falsa
aparência de autonomia, impulsionar, comandar e induzir modalidades
intensas de extração do sobretrabalho, nas quais as jornadas de 12,
14 ou mais horas de trabalho estão longe de ser a exceção. O
curioso mundo virtual algorítmico, então, convive muito bem com um
trágico mundo real, onde a predação ilimitada do corpo produtivo
do trabalho regride à fase pretérita do capitalismo, quando ele
deslanchava sua “acumulação primitiva” com base no binômio
exploração e espoliação, ambos ilimitados".
A
professora de Estudos de Economia e Empresa da Universidade Aberta da
Catalunha, Mar Sabadell alerta também para o risco da
“intensificação” do trabalho e da ampliação da jornada de
trabalho e, junto com isso, as situações de estresse laboral.
Ilustrativo o exemplo, Raul, um trabalhador espanhol de Barcelona de
43 anos, que desabafou: “Às
21 horas, enquanto preparo o jantar, começo a olhar o celular, a ler
e-mails. Telefonam-me fora do horário de trabalho... Você fica
constantemente pensando em trabalho”.
Já
o jurista Hugo Dionísio, em artigo de 01 de junho de 2020 publicado
por AbrilAbril.pt,
escreveu
que "...a
solidão, a escassez de contato humano para discussão, a menor
suscetibilidade na troca de experiências, a perda de poder
reivindicativo e, em função desse desligamento, a sujeição a
condições de trabalho que ele não pode comparar e controlar. Em
ultima análise, é possível a uma entidade patronal sujeitar um
trabalhador isolado a uma carga cada vez maior de trabalho, associada
a uma retribuição cada vez menor e dissociada do esforço
suplementar, sem que ele perceba, sem que ele tenha os mesmos
parâmetros de comparação que antes utilizava e que lhe permitiam
saber se estava a ser discriminado ou não. Em situação de
teletrabalho, é bem possível que todo esse encadeamento de
experiências, que ajudam o trabalhador a moldar a sua relação com
o trabalho e com a entidade patronal, sejam profundamente afetados em
seu desfavor. Todos sabemos que um trabalhador isolado é um
trabalhador mais vulnerável à sobre-exploração"
Além
disso, o articulista alerta para os problemas psicossociais na força
de trabalho, decorrentes da invasão do poder patronal para a casa do
trabalhador: "...quando
exercido no contexto do trabalho a partir da residência, significa
poder patronal em casa do trabalhador, na sua intimidade. Quanto
maior esse poder, na conformação da relação de trabalho às
necessidades da empresa, maior a invasão dessa autoridade na vida do
trabalhador e daqueles que com ele convivem. Como
falou uma servidora do TJ-SP, sobre a experiência do teletrabalho no
tribunal paulista, "não
sei se trabalho em casa, ou se moro no trabalho".
Afora
este fato, Hugo Dionísio lembra que os custos de produção, que
antes eram bancados pelas empresas, com a adoção do teletrabalho,
"o
trabalhador pode passar a ter de suportar maiores consumos de
eletricidade, água, internet, consumíveis, entre outros. A assunção
– permitida na lei –, por parte do trabalhador, destes custos de
produção, não apenas lhe baixa, objetivamente, a remuneração,
como reduz o orçamento familiar".
Todos
os aspectos analisados acima se encaixam dentro do processo
vivenciado pelos trabalhadores do Judiciário fluminense. Ao
contrário da propalada diminuição do tempo consumido pelo
trabalho, ocorreu a extensificação da jornada de trabalho, como
preveu Antunes, combinado à intensificação da mesma, como pontuou
Mar Sabadell. Somente estes dois elementos explicam o grande
crescimento de movimentações em 16 meses, dentro de um quadro de um
quantitativo funcional cada vez menor..
Também
as previsões de Hugo Dionísio de vulnerabilidade à
sobre-exploração da força de trabalho, oriunda do isolamento do
trabalhador criado pelo teletrabalho, se materializaram no TJ-RJ. O
ataque sobre o direito à licença-prêmio é o melhor exemplo, com a
quase impossibilidade de usufruto da mesma, vindo isto casado como
estímulo à venda, no que se apoia situação de congelamento
salarial que perdura desde 2014 no tribunal fluminense e na parceria
com a entidade sindical, que também estimulou a aceitação dos
servidores à compra do direito pelo TJ. Se inserem nesta situação
de ataques mais dois reajustes zero na data-base de setembro da
categoria, em 2020 e 2021, sendo este dissimulado pela venda das
licenças prêmios e pelo retorno do marco da data-base para maio de
2022 e consequente adiamento.
Poderíamos
acrescentar nesta lista de "sobre-exploração da força de
trabalho" apontada por Dionísio: 1) a aplicação da Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3782 pelo TJ sobre mais de
três mil serventuários (cerca de 1/3 do quantitativo funcional),
promovidos após 2002, cuja solução foi reenquadramento em um
quadro próprio, apartado dos demais servidores, uma espécie de
"quadro suplementar" 2) a realização do concurso público
em 2021 (adiado no ano passado), para apenas 160 servidores, quando o
próprio presidente do TJ-RJ admitiu a existência de 4.091
cargos vagos,
de acordo com o levantamento realizado em agosto de 2020, sendo 970
cargos
vagos para Técnico e 3.121 cargos vagos para analista; 3) a punição
a 68 grevistas que fizeram a greve sanitária no TJ/RJ de junho e
julho de 2020, que perdura até hoje, em um claro cerceamento ao
direito de greve.
Enfim,
nesses 16 meses, se aproveitando da generalização do teletrabalho
com a pandemia e do isolamento do trabalhador que veio em
decorrência, a Administração TJ-RJ aprofundou os ataques, ora com
a política prática de acabar com a licença prêmio, ora com a
ampliação do congelamento salarial, bem como com a segregação de
1/3 dos trabalhadores do TJ no plano de carreira e também com o
desrespeito ao direito de greve dos servidores, conquistado com muita
luta e materializado na Constituição de 1988.
Como
resistir quando também a direção sindical se porta como quinta
coluna do processo de privatização e nos ataques à força de
trabalho em meio ao pântano em que ficou a categoria do Judiciário
fluminense?
Desde
a aceitação da troca do marco da data-base de maio para setembro,
em 2012, a direção da entidade sindical se portou como agente da
reestruturação produtiva no TJ-RJ. A consequência, a médio prazo,
foi uma sequência de seis zeros na data-base (de 2015 a 2020).
Curiosamente, essa mesma direção sindical comemorou o retorno da
data-base para maio de 2022, sem falar que ela foi determinante para
a alteração em 2012.
Porém,
ao longo deste texto, pontuamos também diversas outras situações,
em que esses dirigentes seguiram atuando na reestruturação
produtiva em parceria com o Poder. Foi assim na diminuição do
número de servidores na ativa (que acarretará, ao longo prazo,
também problemas para os aposentados); no processo de detonação de
conquistas como a licença prêmio; no descaso com a punição de
grevistas e, por consequência, do direito de greve. E,
fundamentalmente, na atual conjuntura, com o seu silêncio sobre a
Reforma Administrativa (PEC-32) do governo Bolsonaro, que introduz a
avaliação de servidores e tem na quebra da estabilidade um dos seus
pilares, justamente quando a mesma direção sindical expressou no
Congresso do SINDJUSTIÇA de 2013, que era favorável a avaliação
de desempenho.
Importante
também analisar que neste pântano pós pandemia, que aprofundou o
isolamento dos trabalhadores e reforçou o individualismo, converge
também outro fator estrutural negativo para uma atuação
independente sindical contra os ataques e o processo de privatização
da força de trabalho: o fato dos trabalhadores do TJ-RJ se portarem
avessos ao coletivo e não se veren como parte integrante da classe
trabalhadora de conjunto. Sua crença dogmática no Direito, sempre
encarado não do ponto de vista de vista coletivo, mas dentro do
prisma do Direito Positivado e individual, reforça a sua sedução e
submissão ideológica à magistratura, um dos agentes políticos do
processo de privatização da força de trabalho, seguida da
cooptação de um amplo setor para o quadro de comissionados do
Tribunal.
Uma
atuação político-sindical, que se paute pela seriedade em
construir um polo de resistência classista e de luta não somente
com o foco no aparato sindical, justamente em um momento tão agudo
onde a estabilidade no serviço público está seriamente ameaçada,
tem que não somente enxergar a atuação nefasta que cumpre a atual
direção da entidade, mas também botar o dedo na ferida e ver os
limites que os próprios serventuários impõe aos lutadores.
É
verdade que houve direções de esquerda na entidade sindical que
deixaram muito a desejar, como também ocorreu um retrocesso nas
lutas, em meados da década passada, com sérios reflexos na
consciência, o que explica também o alto número de servidores do
TJ-RJ que apoiou o juiz Sérgio Moro e a sua Operação Lava-Jato e
que ajudou a eleger candidaturas de extrema-direita em 2018 como Jair
Bolsonaro e Wilson Witzel. Mas, mesmo assim, não podemos romantizar
e nem embelezar o nosso campo. Uma direção sindical como a atual,
que conspira contra o serviço público e o servidor e ainda conta
com o apoio da maioria da categoria, não brota do nada, pois não
existe geração espontânea nem na biologia e nem nas relações
sociais. Portanto, precisamos enxergar os limites daqueles que
desejamos que estejam mobilizados ao nosso lado contra o desmonte do
serviço público.
Algum
acúmulo para isso já temos. Resta aprofundar a politização dos
lutadores, organizarmos os mesmos nos seus locais de trabalho e
ligarmos cada vez mais eles as lutas gerais ("Fora Bolsonaro!",
"Contra as Privatizações e o pagamento da dívida pública!"
etc.), que serão uma escola para defendermos os nossos salários,
direitos e empregos contra a PEC-32. O Centro Socialista dos
Trabalhadores do Judiciário (CESTRAJU), que tem ajudado na
reconstrução da Coordenação Nacional dos Trabalhadores do
Judiciário, ajudará nesse processo de reorganização e de
resistência dos servidores da Justiça. Em que pese a atuação
sabotadora das direções sindicais e os limites da própria
categoria.
*Analista
Judiciário do TJ-RJ há 30 anos e historiador