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quinta-feira, 16 de junho de 2022

O massacre da serra elétrica sobre a força de trabalho no TJ-RJ

Alex Brasil*

Introdução:

Desde o início da pandemia da COVID-19, os números conseguidos pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro não param de crescer e foram anunciados com entusiasmo pela Corte fluminense: 3.213.248 sentenças, 3.269.344 decisões, 8.936.457 despachos e 105.777.561 atos cumpridos por servidores. Uma produção na pandemia que chegou, na 4ª semana de julho de 2021 a 121.196.610 de movimentações. Isso tudo graças à implantação do Regime Diferenciado de Atendimento de Urgência (o RDAU, o teletrabalho generalizado, adotado com o surgimento da pandemia do COVID-19, a partir de 16 de março de 2020).

Esses números assegurarão, pelo 12º ano consecutivo, ao TJRJ o posto de tribunal mais produtivo do país. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 25/8/2020, o Índice de Produtividade dos Servidores (IPS-Jud) dos trabalhadores do TJ/RJ foi o maior do Brasil, com a marca de 294, 38% superior ao TJ/RS, que ficou em segundo lugar entre as maiores cortes judiciais. Esses números também serão tomados como referências nos Colégios de Presidentes e de Corregedores dos Tribunais de Justiça para uniformização das chamadas "boas práticas" pelos demais TJs.

Para a Assessoria de Comunicação da Corregedoria Geral de Justiça do Rio de Janeiro (ASCOM - CGJ) o Corregedor-geral da Justiça do TJ-RJ, o desembargador Ricardo Rodrigues Cardozo, disse, em 11 de maio último, que o trabalho remoto veio para ficar: “A pandemia acelerou este processo. Antes sabíamos que um dia viria. Agora, este dia chegou. Estamos reformulando rotinas que possam efetivamente tornar permanente este serviço. Todo trabalho será regulado com metas rígidas”. Por exemplo, essas "metas rígidas" apontam o percentual de 25% a mais para aqueles que se encontram no Regime Especial de Trabalho Remoto Externo – RETE, implantado bem antes da pandemia, em 2015.

Dessa forma, o Corregedor reforçou as declarações do presidente do TJ/RJ, Henrique Figueira, em março de 2021, que disse ao jornal virtual Metrópoles: "A pandemia oficializou isso (o teletrabalho). O ritmo de trabalho não caiu, aumentou a produtividade. A pessoa quando vem para o tribunal gasta duas horas de condução, uma hora e meia de almoço, fora o bate-papo habitual, que faz bem. Então, a pessoa fica quatro horas e meio sem trabalho. Em casa, ela tem a flexibilidade de trabalhar a qualquer hora, o almoço em casa é mais curto, a conversa com as pessoas é menor, o tempo de transporte não existe, por isso a produtividade aumentou". Não foi bem assim, vejamos adiante.

Servidores do TJ e a captura da sua subjetividade: de trabalhadores a colaboradores do produtivismo do tribunal

De início, o importante é constatar que a generalização do trabalho remoto contou com o apoio e entusiasmo de grande parte dos trabalhadores do TJ/RJ, que achou que ia ter mais tempo livre. Reflexo disso foi que, na mesma matéria publicada por ASCOM-CGJ com as declarações do Corregedor Geral, também saiu a entrevista favorável ao teletrabalho de três servidores em Regime Especial de Trabalho Remoto Externo - RETE: uma lotada na Comarca de Mangaratiba, trabalhando na Malásia, Ásia; outra trabalhando na cidade de Niterói sobre processos de um cartório cível da Capital e outro processando feitos da Comarca de Três Rios, em uma pequena cidade de Minas Gerais. Vejamos o que disseram os mesmos sobre o teletrabalho.

A servidora residente na Malásia disse na entrevista: "A ausência de interrupções e das comunicações do regular trabalho presencial para mim é o grande diferencial no aumento da produtividade". Já a servidora que mora em Niterói afirmou: "Assim acredito que os fatores mais relevantes para o aumento da produtividade no trabalho em casa é a possibilidade de flexibilização do horário de trabalho e de conciliação deste com minhas rotinas que me permite otimizar meu tempo e aumentar minha eficiência". Por fim, o servidor morador de Rio Pomba-MG sintetizou: "É essencial ter disciplina, comprometimento e responsabilidade e ter foco na produtividade elaborada pelo chefe da serventia e exigida pela Corregedoria."

Como vemos todos os entrevistados mostraram-se imbuídos do discurso uniformizado da Administração do TJ-RJ, centrado na palavra mágica "produtividade" e preocupados com o aumento da mesma. Ou seja, se revelaram, subjetivamente, como "colaboradores" do TJ, "vestindo a camisa" do empregador, como se não mais existissem contradições entre a Administração e os servidores, entre patrões e empregados. Neste contexto, elucidativa a fala da servidora que reside na Malásia, quanto imputa a si mesmo a responsabilidade sobre o material de trabalho adequado e não ao empregador: "Ter também uma estação de trabalho igual à do TJ em casa, com uma tela auxiliar vertical faz toda a diferença no processamento, além de uma boa internet".

Mas enquanto a subjetividade do trabalhador foi cooptada pelo empregador e o teletrabalho alavancou extraordinariamente a produtividade, que já tinha crescido bastante em mais de uma década no TJ/RJ, o número dos servidores continuou seguindo a lógica de diminuição constante do efetivo funcional, desde 2013. Face à adoção de vários Planos de Incentivo à Aposentadoria (PIAs) - política em parceria com a entidade sindical desenvolvida na década passada, somados às aposentadorias que se deram por fora dos PIAs, os pedidos de exoneração, demissões e morte de servidores - os serventuários do Judiciário fluminense (que chegaram a ter uma categoria com mais de 14 mil trabalhadores, no início da década passada, só perdendo, no Brasil, em quantitativo funcional para o Judiciário paulista) hoje são pouco mais de dez mil trabalhadores.

Reverter esse número cada vez mais enxuto de funcionários, entretanto, não parece ser a preocupação da Administração do Tribunal. O desembargador Henrique Figueira mostrou na mesma entrevista que o seu foco é outro: "Fazer uma estrutura com a utilização de robôs que possam ajudar o juiz na prestação jurisdicional... O trabalho que o juiz faz em uma hora (sic), o robô faz em um segundo, é uma diferença absurda. Salve engano, são 80 atos por segundo. Isso está em pesquisa. Recentemente, criamos o Núcleo de Inovação Tecnológica para fazer contatos com outros tribunais através do Conselho Nacional de Justiça. Vamos buscar intertransferência de tecnologia nos tribunais estaduais, federais e da Justiça do Trabalho, através do Processo Judicial Eletrônico, o PJE... O Justiça 4.0 (convênio com o STF) está relacionado a tudo que falamos sobre inovação tecnológica. Por exemplo, o balcão virtual. Todos os cartórios, todas as varas devem ter a possibilidade de atendimento virtual. Ao invés de o advogado ou estagiário vir aqui no balcão para ver o andamento do processo, ele pede a informação pelo Zoom (aplicativo de videoconferência)".

A criação do balcão virtual, ainda no primeiro semestre de 2021, foi a materialização da prioridade da magistratura fluminense. O balcão virtual, inclusive, conta com a avaliação do atendimento feito pelo advogado e/ou parte sobre o atendimento do servidor, como existe hoje sobre os trabalhadores super-explorados de qualquer empresa de telemarketing. Para agosto de 2021, a Administração do TJ anunciou a implantação do Gabinete Virtual nas 52 varas cíveis da comarca da capital, este, entretanto, sem avaliação do jurisdicionado. E o balcão e o gabinete virtual envolverão não só o trabalho presencial como também o teletrabalho. Para tudo funcionar virtualmente, o presidente do TJ/RJ anunciou que todos os processos serão digitalizados, até final de 2022.

Constrói-se, dessa forma, uma prestação jurisdicional baseada somente em números e estatísticas volumosos. Também -se aumenta-se a distância do Poder Judiciário do jurisdicionado, com o balcão, gabinete e audiências virtuais. Substitui-se, dessa forma, a criticada morosidade do Judiciário e o desgastante atendimento às partes, por uma "justiça" cada vez mais de "fast food", apoiada nas súmulas vinculantes. Em resumo: uma "justiça" célere, apartada do contato com advogados e partes, a de "recorta e cola" de sentenças, Acórdãos e decisões.

A embalagem da celeridade processual e o distanciamento físico das partes são o chamariz para seduzir os chamados operadores do direito, mas o conteúdo que ela traz é que se fará cada vez menos justiça para aqueles que são pessoas físicas e não são pessoas jurídicas (como os grandes bancos e as grandes corporações), assim como trará maior pressão sobre os servidores para cumprimento de metas de produtividade. Ao estilo das normas que o TJ-RJ baixou em 2019 para a Equipe Técnica (psicólogos, assistentes sociais e comissários) da meta de 30 processos mensais, número absurdo que ignora os respectivos conselhos profissionais.

Portanto, conjugando novas ferramentas tecnológicas com o teletrabalho, focados em índices crescentes de produtividade, explica-se porque o número de servidores continua caindo, da mesma forma que os trabalhadores lotados por serventias. Para também sustentar esse processo atual, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, seguiu se apoiando, no período pré-pandemia, nas diretrizes do Documento Técnico nº 319/1996 de MARIA DAKOLIAS do Banco Mundial (“O Setor Judiciário na América Latina e Caribe –. Elementos para Reforma”, exaustivamente discutido nas edições anteriores desta revista). A implementação dessas diretrizes, avançou, em grandes passos na privatização da força de trabalho.

Relembramos, mais uma vez, os diversos expedientes utilizados pelo TJ-RJ, pós o advento do Documento nº 319: 1) requisição de funcionários de prefeituras e do estado, nos anos noventa para suprir a ausência de funcionários; 2) nas primeiras décadas dos anos 2000, contratação de milhares de estagiários de Direito, em desvio de função e com baixa remuneração, para fazer o trabalho dos servidores e utilização, em larga escalas e de firmas terceirizadas nos chamados setores administrativos; 3) por fim, o recurso ao trabalho voluntário, de três anos para cá.

A obsessão pelo pouco tempo livre que sobrou do servidor para garantir esses altos índices de produtividade com baixo número de servidores fez com que o TJ/RJ, em mais uma parceria com a entidade sindical, recentemente, adotasse uma política de compra de licenças prêmios acumuladas e, agora, de férias também acumuladas, dependendo de disponibilidade orçamentária. Se apoiando na restrição quase absoluta ao direito do gozo da licença prêmio e em uma situação de congelamento salarial que perdura há 7 anos, a grande maioria dos servidores aderiu à venda de licenças prêmios acumuladas, processo que aponta para o fim deste direito.

Para finalizar, a direção sindical, novamente em harmonia com a Administração do TJ, anunciou, a partir da criação de um símbolo CAI pelo Órgão Especial do TJ, e, com isso, a possibilidade da criação do 4º secretário de juiz; do aumento da comissão da gratificação de substitutos de chefias nas serventias e da criação de gratificação para encarregados e até para os servidores que trabalham em cartório. O comissionamento proposto, enquanto os salários seguem congelados por quase uma década, mais uma vez é um atativo para os trabalhadores arrochados, com o objetivo de que estes produzam cada vez mais sentenças, decisões, Acórdãos, despachos, no lugar dos juizes de primeira e segunda instância, que continuariam só supervisionando o serviço realizado pelos servidores.

Teletrabalho e Produtivismo, assim caminha a força de trabalho no TJ-RJ?

Sem dúvida, como abordado no início deste texto, a nova marca do produtivismo no TJ-RJ tem sido o teletrabalho. É verdade que a Administração do Tribunal, por pressões de setores empresariais sobre o Executivo Estadual, sinalizou com o retorno da maioria dos servidores, até setembro de 2021, acompanhando a volta ao trabalho presencial dos demais servidores do Estado. Mas, essa atitude da Administração do tribunal não invalida o vaticínio do presidente e do Corregedor da corte fluminense: o teletrabalho veio pra ficar.

Partindo dessa premissa, vamos nos ater um pouco sobre o que está sendo estudado sobre o teletrabalho. Em setembro de 2020, no seu artigo "Trabalho Virtual", o professor da UNICAMP/SP, Ricardo Antunes, que tem se destacado há três décadas pelo estudo das transformações que tem se operado na força de trabalho e no seu reflexo sobre a sua subjetividade, analisou o processo pelo qual a força de trabalho estava passando em plena pandemia, com a implementação em larga escala do teletrabalho : "Recentemente, nas plataformas digitais essa realidade vem se exacerbando ao limite. Os algoritmos, concebidos e desenhados pelas corporações globais para controlar os tempos, ritmos e movimentos de todas as atividades laborativas, foram o ingrediente que faltava para, sob uma falsa aparência de autonomia, impulsionar, comandar e induzir modalidades intensas de extração do sobretrabalho, nas quais as jornadas de 12, 14 ou mais horas de trabalho estão longe de ser a exceção. O curioso mundo virtual algorítmico, então, convive muito bem com um trágico mundo real, onde a predação ilimitada do corpo produtivo do trabalho regride à fase pretérita do capitalismo, quando ele deslanchava sua “acumulação primitiva” com base no binômio exploração e espoliação, ambos ilimitados".

A professora de Estudos de Economia e Empresa da Universidade Aberta da Catalunha, Mar Sabadell alerta também para o risco da “intensificação” do trabalho e da ampliação da jornada de trabalho e, junto com isso, as situações de estresse laboral. Ilustrativo o exemplo, Raul, um trabalhador espanhol de Barcelona de 43 anos, que desabafou: “Às 21 horas, enquanto preparo o jantar, começo a olhar o celular, a ler e-mails. Telefonam-me fora do horário de trabalho... Você fica constantemente pensando em trabalho”.

Já o jurista Hugo Dionísio, em artigo de 01 de junho de 2020 publicado por AbrilAbril.pt, escreveu que "...a solidão, a escassez de contato humano para discussão, a menor suscetibilidade na troca de experiências, a perda de poder reivindicativo e, em função desse desligamento, a sujeição a condições de trabalho que ele não pode comparar e controlar. Em ultima análise, é possível a uma entidade patronal sujeitar um trabalhador isolado a uma carga cada vez maior de trabalho, associada a uma retribuição cada vez menor e dissociada do esforço suplementar, sem que ele perceba, sem que ele tenha os mesmos parâmetros de comparação que antes utilizava e que lhe permitiam saber se estava a ser discriminado ou não. Em situação de teletrabalho, é bem possível que todo esse encadeamento de experiências, que ajudam o trabalhador a moldar a sua relação com o trabalho e com a entidade patronal, sejam profundamente afetados em seu desfavor. Todos sabemos que um trabalhador isolado é um trabalhador mais vulnerável à sobre-exploração"

Além disso, o articulista alerta para os problemas psicossociais na força de trabalho, decorrentes da invasão do poder patronal para a casa do trabalhador: "...quando exercido no contexto do trabalho a partir da residência, significa poder patronal em casa do trabalhador, na sua intimidade. Quanto maior esse poder, na conformação da relação de trabalho às necessidades da empresa, maior a invasão dessa autoridade na vida do trabalhador e daqueles que com ele convivem. Como falou uma servidora do TJ-SP, sobre a experiência do teletrabalho no tribunal paulista, "não sei se trabalho em casa, ou se moro no trabalho".

Afora este fato, Hugo Dionísio lembra que os custos de produção, que antes eram bancados pelas empresas, com a adoção do teletrabalho, "o trabalhador pode passar a ter de suportar maiores consumos de eletricidade, água, internet, consumíveis, entre outros. A assunção – permitida na lei –, por parte do trabalhador, destes custos de produção, não apenas lhe baixa, objetivamente, a remuneração, como reduz o orçamento familiar".

Todos os aspectos analisados acima se encaixam dentro do processo vivenciado pelos trabalhadores do Judiciário fluminense. Ao contrário da propalada diminuição do tempo consumido pelo trabalho, ocorreu a extensificação da jornada de trabalho, como preveu Antunes, combinado à intensificação da mesma, como pontuou Mar Sabadell. Somente estes dois elementos explicam o grande crescimento de movimentações em 16 meses, dentro de um quadro de um quantitativo funcional cada vez menor..

Também as previsões de Hugo Dionísio de vulnerabilidade à sobre-exploração da força de trabalho, oriunda do isolamento do trabalhador criado pelo teletrabalho, se materializaram no TJ-RJ. O ataque sobre o direito à licença-prêmio é o melhor exemplo, com a quase impossibilidade de usufruto da mesma, vindo isto casado como estímulo à venda, no que se apoia situação de congelamento salarial que perdura desde 2014 no tribunal fluminense e na parceria com a entidade sindical, que também estimulou a aceitação dos servidores à compra do direito pelo TJ. Se inserem nesta situação de ataques mais dois reajustes zero na data-base de setembro da categoria, em 2020 e 2021, sendo este dissimulado pela venda das licenças prêmios e pelo retorno do marco da data-base para maio de 2022 e consequente adiamento.

Poderíamos acrescentar nesta lista de "sobre-exploração da força de trabalho" apontada por Dionísio: 1) a aplicação da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3782 pelo TJ sobre mais de três mil serventuários (cerca de 1/3 do quantitativo funcional), promovidos após 2002, cuja solução foi reenquadramento em um quadro próprio, apartado dos demais servidores, uma espécie de "quadro suplementar" 2) a realização do concurso público em 2021 (adiado no ano passado), para apenas 160 servidores, quando o próprio presidente do TJ-RJ admitiu a existência de 4.091 cargos vagos, de acordo com o levantamento realizado em agosto de 2020, sendo 970 cargos vagos para Técnico e 3.121 cargos vagos para analista; 3) a punição a 68 grevistas que fizeram a greve sanitária no TJ/RJ de junho e julho de 2020, que perdura até hoje, em um claro cerceamento ao direito de greve.

Enfim, nesses 16 meses, se aproveitando da generalização do teletrabalho com a pandemia e do isolamento do trabalhador que veio em decorrência, a Administração TJ-RJ aprofundou os ataques, ora com a política prática de acabar com a licença prêmio, ora com a ampliação do congelamento salarial, bem como com a segregação de 1/3 dos trabalhadores do TJ no plano de carreira e também com o desrespeito ao direito de greve dos servidores, conquistado com muita luta e materializado na Constituição de 1988.

Como resistir quando também a direção sindical se porta como quinta coluna do processo de privatização e nos ataques à força de trabalho em meio ao pântano em que ficou a categoria do Judiciário fluminense?

Desde a aceitação da troca do marco da data-base de maio para setembro, em 2012, a direção da entidade sindical se portou como agente da reestruturação produtiva no TJ-RJ. A consequência, a médio prazo, foi uma sequência de seis zeros na data-base (de 2015 a 2020). Curiosamente, essa mesma direção sindical comemorou o retorno da data-base para maio de 2022, sem falar que ela foi determinante para a alteração em 2012.

Porém, ao longo deste texto, pontuamos também diversas outras situações, em que esses dirigentes seguiram atuando na reestruturação produtiva em parceria com o Poder. Foi assim na diminuição do número de servidores na ativa (que acarretará, ao longo prazo, também problemas para os aposentados); no processo de detonação de conquistas como a licença prêmio; no descaso com a punição de grevistas e, por consequência, do direito de greve. E, fundamentalmente, na atual conjuntura, com o seu silêncio sobre a Reforma Administrativa (PEC-32) do governo Bolsonaro, que introduz a avaliação de servidores e tem na quebra da estabilidade um dos seus pilares, justamente quando a mesma direção sindical expressou no Congresso do SINDJUSTIÇA de 2013, que era favorável a avaliação de desempenho.

Importante também analisar que neste pântano pós pandemia, que aprofundou o isolamento dos trabalhadores e reforçou o individualismo, converge também outro fator estrutural negativo para uma atuação independente sindical contra os ataques e o processo de privatização da força de trabalho: o fato dos trabalhadores do TJ-RJ se portarem avessos ao coletivo e não se veren como parte integrante da classe trabalhadora de conjunto. Sua crença dogmática no Direito, sempre encarado não do ponto de vista de vista coletivo, mas dentro do prisma do Direito Positivado e individual, reforça a sua sedução e submissão ideológica à magistratura, um dos agentes políticos do processo de privatização da força de trabalho, seguida da cooptação de um amplo setor para o quadro de comissionados do Tribunal.

Uma atuação político-sindical, que se paute pela seriedade em construir um polo de resistência classista e de luta não somente com o foco no aparato sindical, justamente em um momento tão agudo onde a estabilidade no serviço público está seriamente ameaçada, tem que não somente enxergar a atuação nefasta que cumpre a atual direção da entidade, mas também botar o dedo na ferida e ver os limites que os próprios serventuários impõe aos lutadores.

É verdade que houve direções de esquerda na entidade sindical que deixaram muito a desejar, como também ocorreu um retrocesso nas lutas, em meados da década passada, com sérios reflexos na consciência, o que explica também o alto número de servidores do TJ-RJ que apoiou o juiz Sérgio Moro e a sua Operação Lava-Jato e que ajudou a eleger candidaturas de extrema-direita em 2018 como Jair Bolsonaro e Wilson Witzel. Mas, mesmo assim, não podemos romantizar e nem embelezar o nosso campo. Uma direção sindical como a atual, que conspira contra o serviço público e o servidor e ainda conta com o apoio da maioria da categoria, não brota do nada, pois não existe geração espontânea nem na biologia e nem nas relações sociais. Portanto, precisamos enxergar os limites daqueles que desejamos que estejam mobilizados ao nosso lado contra o desmonte do serviço público.

Algum acúmulo para isso já temos. Resta aprofundar a politização dos lutadores, organizarmos os mesmos nos seus locais de trabalho e ligarmos cada vez mais eles as lutas gerais ("Fora Bolsonaro!", "Contra as Privatizações e o pagamento da dívida pública!" etc.), que serão uma escola para defendermos os nossos salários, direitos e empregos contra a PEC-32. O Centro Socialista dos Trabalhadores do Judiciário (CESTRAJU), que tem ajudado na reconstrução da Coordenação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário, ajudará nesse processo de reorganização e de resistência dos servidores da Justiça. Em que pese a atuação sabotadora das direções sindicais e os limites da própria categoria.


*Analista Judiciário do TJ-RJ há 30 anos e historiador